Política

Será que Lula foi irônico ao falar sobre a presunção de inocência de Bolsonaro?

Esta semana saiu faísca por todos os lados

A defesa de Lula pôde utilizar todos os argumentos de que dispunha para confrontar as acusações feitas contra ele - Imagem: Instagram/ @lulaoficial
A defesa de Lula pôde utilizar todos os argumentos de que dispunha para confrontar as acusações feitas contra ele - Imagem: Instagram/ @lulaoficial

Reinaldo Polito Publicado em 09/02/2024, às 14h53


Esta semana saiu faísca por todos os lados. Bolsonaro e alguns de seus aliados foram alvos de busca e apreensão da Polícia Federal. O ex-presidente teve de entregar seu passaporte. Muita gente se manifestou contra e a favor a essas ações. Até o presidente Lula.

Pela forma como tem se referido a Bolsonaro em seus últimos pronunciamentos, não deve ter ficado chateado com essa investida contra o rival. Ao participar de encontro onde divulgou investimentos federais em Belford Roxo (RJ), chamou o ex-presidente de “maluco”, “aloprado” e “ignorante”.

Por isso, em entrevista à rádio Itatiaia na quinta-feira, 8, ao ser indagado a respeito da situação de seu antecessor, o chefe do Executivo respondeu com um tom que pareceu irônico:

“Eu não quero fazer julgamento do que pode acontecer na Justiça brasileira. O que eu quero é que o Bolsonaro tenha a presunção de inocência, que eu não tive. O que eu quero é que seja investigado pelos seus erros, que pague pelos seus erros”.

Será que Lula foi mesmo injustiçado? Será que não foi concedida a ele a presunção de inocência? Vamos analisar a cronologia dos fatos. A partir dessa revisão histórica será possível concluir se ele tem ou não razão.

A sua primeira condenação ocorreu no dia 12 de julho de 2017. O então juiz Sergio Moro o sentenciou a uma pena de nove anos e seis meses de prisão. Os motivos dessa condenação foram os crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

A defesa de Lula pôde utilizar todos os argumentos de que dispunha para confrontar as acusações feitas contra ele. A base da peça acusatória foi a ocultação de uma cobertura triplex no Guarujá. Esse imóvel teria sido recebido como propina da empreiteira OAS, pelos favores que ela recebera da Petrobras. Considerando a presunção de inocência, seus advogados puderam recorrer.

Ao ser julgado em segunda instância no dia 24 de janeiro de 2018, os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF-4), sediado em Porto Alegre, por unanimidade ratificaram a decisão da 1ª instância e agravaram ainda mais a pena. Aumentaram o tempo de reclusão de nove anos e seis meses para 12 anos e um mês.

Com essa condenação, bastaria aguardar que todos os recursos disponíveis fossem esgotados dentro do próprio TRF-4. A defesa reclamou. Alegou que o processo foi célere demais. Coube ao presidente do tribunal responder que não houve celeridade, pois esses prazos eram comuns naquela Corte.

João Pedro Gebran Neto, relator do processo, afirmou que eram acima de dúvida razoável as provas de que o apartamento estava destinado a Lula como vantagem pelos negócios realizados com a empreiteira. Recusou também a alegação da defesa de que a 13ª Vara da Justiça Federal, sob o comando do juiz Sergio Moro, não tivesse competência para julgar o caso. Embora houvesse vozes discordantes, a decisão foi mantida.

A defesa de Lula não se conformou com o resultado e recorreu com pedido de habeas corpus preventivo no STJ (Superior Tribunal de Justiça) e no STF (Supremo Tribunal Federal). Essa estratégia tinha como finalidade evitar a prisão. O STJ, no dia 6 de março de 2018, mais uma vez por unanimidade (5 votos contra 0), rejeitou essa solicitação.

Restava o último recurso, o STF. A Alta Corte tomou decisão que impedia a prisão. Depois de muitas discussões e forte pressão da sociedade e dos procuradores da República, no dia 4 de abril de 2018, por 6 votos contra 5, o Supremo rejeitou o pedido de habeas corpus. Essa decisão era a sentença final para que Lula fosse preso.

Depois de longo percurso no judiciário, o processo foi concluído com o juiz Sergio Moro decretando a prisão do petista no dia 5 de abril de 2018. Moro concedeu até às 17h do dia 6 para que ele se entregasse. Antes desse prazo, mais uma vez, a defesa tentou outro pedido de habeas corpus, que também foi recusado. No dia 7 de abril, finalmente Lula se entregou à Polícia Federal.

Durante todo o período em que esteve preso, com grande frequência, a defesa de Lula recorreu de todas as formas possíveis para que ele fosse libertado. Os pedidos eram negados com a mesma velocidade com que entravam.

No dia 8 de novembro de 2019, com a decisão do STF em considerar a prisão em segunda instância inconstitucional, Lula deixou a prisão. Foram 580 dias de reclusão.

Em decisão que pegou o país de surpresa, no dia 8 de março de 2021, o ministro Edson Fachin anulou todas as condenações por ter considerado que o tribunal que as julgou não possuía jurisdição competente. Lula não foi inocentado, mas sim descondenado até que fosse julgado por outro tribunal.

Assim, em atendimento ao pedido de habeas corpus feito pela defesa em novembro de 2020, o STF permitiu que Lula recuperasse seus direitos políticos. Ou seja, nada do que havia sido decidido valia mais. A sequência da história todos conhecem.

Diante desses fatos, cada um poderá julgar se Lula teve ou não o direito de reclamar. E, dependendo, dos próximos episódios, se Bolsonaro, como disse o presidente, terá a seu favor a presunção de inocência que foi negada a ele.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 35 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/