Cultura

O que está oculto nas grandes obras de arte?

Explorando como obras famosas escondem significados profundos e desafios à percepção do espectador

A Última Ceia (1495), de Leonardo da Vinci - Imagem: Rproduçõ/ Post-italy

Marlene Polito Publicado em 11/03/2025, às 11h50

O que nos escapa na arte?

Desde que O Código Da Vinci popularizou a teoria de que João Evangelista (à esquerda de Jesus), na famosa Última Ceia, de Leonardo da Vinci, poderia, na verdade, ser Maria Madalena, o público passou a olhar para a pintura com uma suspeita renovada.
O jovem de feições delicadas, cabelos longos e postura suave estaria mesmo entre os apóstolos, ou Leonardo teria deixado uma mensagem oculta diante dos nossos olhos?

O que nos escapa na arte?

Se na vida nem sempre enxergamos tudo o que está diante de nós, na arte essa premissa se torna um jogo sofisticado entre criador e espectador.
Seja por técnica, simbolismo ou puro capricho do artista, muitas pinturas célebres contêm elementos que escapam ao primeiro olhar. Nos séculos XV e XVI, em plena ascensão da pintura a óleo, os artistas começaram a explorar novas formas de brincar com a percepção do espectador.

O Pintor dentro da obra – As Meninas (1656)

As Meninas, de Velázquez – O jogo de espelhos e a presença enigmática do próprio pintor.

Diego Velázquez levou essa brincadeira a um nível ainda mais complexo em As Meninas. O quadro mostra a infanta Margarida rodeada por suas damas de companhia, mas o que também chama atenção é a presença do próprio pintor, pincel em mãos, dentro da cena. No fundo, um espelho reflete os reis da Espanha.

Mas onde exatamente eles estão? Estariam posando para o quadro que Velázquez pinta? Se sim, significa que nós, espectadores, assumimos o lugar da realeza. O quadro nos desafia a definir quem está dentro e quem está fora da obra, quem observa e quem é observado. Mais do que um retrato, As Meninas é um jogo de ilusão, uma pintura que nos coloca dentro dela.

O Segredo da Perspectiva – Os Embaixadores (1533) 

Os Embaixadores (1533), de Hans Holbein, o Jovem. Foto: Wikipedia

Se As Meninas brinca com o papel do espectador, Os Embaixadores, de Hans Holbein, transforma a percepção em um enigma.

Na base do quadro, entre dois embaixadores ricamente trajados, há uma mancha disforme. À primeira vista, parece um erro ou um borrão. Porém, ao se olhar a pintura de um ângulo lateral, a mancha se transforma em uma caveira perfeita.

Essa técnica, conhecida como anamorfose, foi usada por Holbein como um lembrete de que tudo o que vemos pode ser distorcido. Em um tempo em que a perspectiva estava revolucionando a arte, Holbein a levou ao extremo: uma imagem só pode ser vista corretamente quando o espectador está no ponto certo – uma metáfora poderosa sobre a impermanência e a relatividade da percepção.

O Que Nos Encara Sem Que Possamos Ver – O Filho do Homem (1964)

O Filho do Homem (1964), de René Magritte

Se Holbein brincou com distorções para esconder um significado, René Magritte criou um mistério que se impõe de forma direta. Em O Filho do Homem, um homem de terno e chapéu surge com o rosto coberto por uma maçã.

No entanto, a sugestão subjacente de Magritte é que, mesmo quando algo está exposto, nossa forma de olhar pode ocultá-lo. Ou seja, o fato de a maçã estar ali desafia nossa percepção: será que realmente veríamos o rosto se a fruta não estivesse? Ou a ideia de ocultação já foi implantada em nossa mente, fazendo-nos duvidar do que sabemos e do que vemos?

O artista nos desafia: vemos o mundo de forma clara ou estamos sempre diante de obstáculos que impedem a visão completa? Essa pintura resgata a essência da arte como um jogo entre o visível e o invisível.

O Corpo Que Some – Liu Bolin e a invisibilidade contemporânea

O homem invisível, de Liu Bolin. Foto: Alex Brown

Na arte contemporânea, a ideia de ocultamento ganha uma nova dimensão com Liu Bolin.

Conhecido como "o homem invisível", o artista chinês pinta seu próprio corpo para se camuflar perfeitamente no ambiente. Suas performances exploram a invisibilidade social, a fusão entre arte e realidade e a ideia de que, muitas vezes, estamos tão integrados ao nosso meio que nos tornamos parte dele, desaparecendo aos olhos alheios.

Assim como os mestres do passado esconderam elementos em suas pinturas, Liu Bolin nos faz refletir sobre aquilo que deixamos de ver na vida real.

Conclusão – O que mais está oculto?

Voltamos, então, à pergunta inicial: será que João Evangelista, na Última Ceia, era realmente Maria Madalena? Não há resposta definitiva, mas a dúvida permanece porque a arte é, acima de tudo, um convite ao mistério.

Seja um rosto escondido por uma maçã, uma caveira oculta em uma pintura renascentista ou uma presença refletida em um espelho ou camuflada em seu entorno, as grandes obras da história nos ensinam uma lição: nem tudo o que está à vista é imediatamente visível. Afinal, o que mais nos escapa quando olhamos para a arte – e para a vida?

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