Política

Os apoios recebidos por Lula na crise com Israel mais atrapalham que ajudam

Há certos relacionamentos que não contribuem muito para a defesa de uma determinada posição

Lula estabeleceu uma comparação que provocou indignação em quase todos os países - Imagem: Twitter/ @ocafezinho
Lula estabeleceu uma comparação que provocou indignação em quase todos os países - Imagem: Twitter/ @ocafezinho

Reinaldo Polito Publicado em 23/02/2024, às 14h35


Apenas para relembrar em poucas palavras o que provocou uma das maiores crises diplomáticas brasileiras. Em pronunciamento feito na Etiópia, Lula estabeleceu uma comparação que provocou indignação em quase todos os países:

“O que está acontecendo na Faixa de Gaza não existe em nenhum outro momento histórico, aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”.

No mesmo instante, a imprensa do mundo todo passou a dar destaque. Não se ouvia uma voz favorável. Até jornalistas alinhados à sua ideologia, que costumeiramente tentam dar explicações para suas gafes, desta vez não se contiveram e passaram a censurá-lo.

Havia uma grande expectativa. Afinal, quais os países que se mostrariam solidários a Lula por sua fala sobre o conflito entre Israel e o Hamas? Se nações de projeção relevante se mostrassem solidárias ao presidente brasileiro, o que seria improvável, conseguiria uma prova de que ele não estava sozinho nesse entrevero.

O apoio surgiu daqueles que pouco têm a acrescentar para livrar Lula dessa enrascada diplomática internacional. Os que se mostraram parceiros do chefe do Executivo brasileiro foram: Cuba, Bolívia, Colômbia e Venezuela. Invertendo a frase de Zeca Pagodinho - tá bom, mas tá ruim.

Está bom porque pelo menos alguém resolveu estender a mão, numa demonstração de que o tema poderia não ser tão pacífico, que haveria condições de discutir o que está acontecendo na região de Gaza. Está ruim porque esses países que vieram em socorro do petista podem fazer mais mal que bem à sua causa.

Gustavo Petro, presidente da Colômbia, foi o primeiro a se manifestar em favor de Lula. Ele comentou em seu perfil no X que Lula “apenas disse a verdade. A verdade se defende ou a barbárie nos aniquilará”. Deu a impressão de que suas palavras foram fruto apenas de suas convicções ideológicas, pois essa não parece mesmo ser uma causa defensável.

Logo depois, Luís Alberto Arce, presidente da Bolívia, e Miguel Diaz-Canel, presidente de Cuba, saíram em defesa do presidente do Brasil pelo fato de ele ter sido considerado persona non grata por Israel. E, como não poderia deixar de ser, Nicolás Maduro também deu seu aval ao desatino verbal do companheiro brasileiro.

Há certos relacionamentos que não contribuem muito para a defesa de uma determinada posição. No início dos anos 1990, fui convidado para ministrar palestra na Academia de Polícia, na USP. O diretor da Instituição era Carlos Eduardo Penazzi, que acabou por se tornar meu aluno particular.

Em determinado momento, comentei com ele sobre um aluno policial muito famoso que também havia frequentado a minha escola de oratória. Do alto da

sua experiência, como se fosse um pai dando conselho para um filho, ele me disse:

“Querido professor Polito, ainda que tenha sido uma figura importante e famosa, não acho que deva mencionar o nome dele. Pode ter certeza de que não acrescentará nada à sua biografia”.

Entendi o recado. Aprendi a lição. Há pessoas que não valem a pena ser mencionadas, pois sua imagem negativa poderá direta ou indiretamente nos contaminar. Não vejo de forma distinta o respaldo concedido por esses presidentes. A atuação deles não merece elogios. Não são exemplos de líderes democráticos, princípio que Lula tanto diz defender.

Há episódios que só o tempo pode atenuar. Esse é um deles. A comparação infeliz, que o petista fez das ações de Israel contra o Hamas com o genocídio dos judeus na segunda guerra mundial, ultrapassa qualquer limite do bom senso. Foi um comentário equivocado, difícil de ser desculpado.

Embora essa tenha sido a escorregadela mais séria de Lula em suas viagens internacionais, não foi a primeira. Com o tempo os assuntos vão se sucedendo e, por mais fora de propósito que sejam, os fatos acabam por cair no esquecimento.

A não ser que seu pronunciamento tenha sido proposital, como alguns analistas acreditam, e não apenas um deslize das suas improvisações que poderia ser atenuado com um pedido de desculpas, as cicatrizes se tornarão mais profundas e visíveis.

Por ora, Lula deveria se manter em silêncio e evitar esses testemunhos que em nada melhoram sua imagem no cenário doméstico e internacional. Talvez fosse o caso de ele refletir também sobre os ensinamentos do sábio Penazzi.

Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 35 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/