Cultura

A trajetória do Amor Romântico de Hollywood aos Doramas

A história da cultura e da arte mostra que os ideais românticos não desaparecem

A Primeira Noite de um Homem (1967) - Imagem: Divulgação

Marlene Polito Publicado em 04/02/2025, às 12h26

A vida cíclica dos ideais românticos

Converso por telefone com uma amiga que saiu de férias com o marido e filhas. Pergunto onde estão.

— Na Suíça, no pequeno vilarejo de Iseltwald, às margens do Lago Brienz — ela me diz. — Queríamos conhecer este lugar, que é lindo demais. Foi aqui que Ri Jeong-hyeok toca piano em um píer de madeira, enquanto a melodia se espalha pelo lago. Lembra da série coreana Pousando no Amor?

Sim, naturalmente eu me lembro. Esse é um momento de profunda conexão entre os personagens principais. O local não apenas enriquece a estética da série, mas também desempenha um papel simbólico na construção da história de amor.

Mas essa cena não marcou apenas minha amiga. Milhões de espectadores ao redor do mundo se encantaram com ‘Pousando no Amor’ e outros doramas que seguem essa mesma linha: romances idealizados, carregados de ternura, onde o amor se constrói lentamente, sem a urgência tão comum nos relacionamentos modernos.

Esse movimento, no entanto, não é novo. A história da cultura e da arte mostra que os ideais românticos não desaparecem — eles apenas se transformam. Há momentos em que o amor é exaltado como um sentimento sublime e outros em que é tratado com ceticismo. Mas sempre, de uma forma ou de outra, o romantismo volta a seduzir corações.

Imagem gerada por IA 

Do romantismo literário ao glamour dos anos 1950 

No século XIX, o Romantismo dominou a literatura e a arte com histórias de amores impossíveis, sentimentos intensos e paixões que ultrapassavam a razão. Goethe, com seu Werther, fez gerações suspirarem e chorarem com o sofrimento de um amor inalcançável. Jane Austen, Byron, Musset, Alencar e tantos outros criaram personagens dispostos a morrer por amor. Nesse período, amar era uma experiência arrebatadora e muitas vezes trágica. 

Orgulho e Preconceito, de Jane Austen (1813). Imagem: IA

O Romantismo deu lugar ao Realismo/Naturalismo, que expôs o amor como ele era: cheio de contradições e decepções. O amor idealizado foi substituído por relações pragmáticas, muitas vezes movidas por interesses ou desejos fugazes. Madame Bovary e Dom Casmurro estão aí para provar que o amor pode ser tão frustrante quanto fascinante. 

Esse ciclo se repetiu. Nos anos 1950, com o pós-guerra e o crescimento da indústria do entretenimento, o amor voltou a ser retratado de maneira idealizada. Hollywood produziu romances inesquecíveis, como ‘Casablanca’ e ‘A Princesa e o Plebeu’, que vendiam a ideia de um amor puro e glamouroso. O cinema, a música e a moda reforçavam essa visão de um romance encantado. 

A Princesa e o Plebeu, (1953)

A quebra do ideal romântico e o retorno dos sentimentos 

Assim como no século XIX, esse romantismo encontrou oposição. Veio a revolução sexual dos anos 1960 e 70, a pílula anticoncepcional, a liberação feminina e, com isso, uma nova forma de encarar o amor e o desejo. As relações passaram a ser mais diretas, mais abertas, menos idealizadas. O amor perdeu sua aura de sacralidade e se tornou mais um aspecto da vida moderna.                                       

Nos dias atuais, o pêndulo parece oscilar mais uma vez. Se por um lado as relações estão cada vez mais rápidas e efêmeras, por outro, o enorme sucesso dos doramas sugere que há um desejo latente de voltar a viver histórias de amor mais profundas e genuínas. A estética dos doramas, com suas cenas delicadas, trilhas sonoras envolventes e narrativas que valorizam a construção emocional dos relacionamentos, oferece um contraponto à cultura do imediatismo. 

Isso explica por que tantas pessoas estão se encantando por essas produções. Em um mundo onde tudo parece descartável, os doramas oferecem uma espécie de refúgio, um espaço onde o amor ainda pode ser vivido com intensidade e significado. 

O que vem a seguir? 

O ciclo dos ideais românticos nos ensina que o amor sempre encontra novas formas de se manifestar. O sucesso dos doramas pode ser apenas mais um momento desse eterno vaivém do romantismo, ou pode indicar uma mudança cultural mais profunda. Será que estamos nos cansando da superficialidade e buscando, mais uma vez, um amor que vá além do efêmero? 

Talvez, daqui a algumas décadas, olhemos para Pousando no Amor e outros doramas como olhamos hoje para Casablanca ou para os romances de Byron: como marcos de um tempo em que o amor, por um instante, voltou a ser algo sublime. 

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