Cultura

Lula e a cabra do meu avô

Improvisação sempre foi uma das características mais admiráveis de sua oratória

Estratégia de aumentar os discursos de Lula não surtiu efeito e suas falas geram mais polêmicas do que soluções - Imagem: Instagram/ @lulaoficial

Reinaldo Polito Publicado em 25/04/2025, às 13h35

Todo mundo sabe que Lula tem pisado na bola com seus discursos de improviso. Curioso é que a improvisação, que sempre foi uma das características mais admiráveis da sua oratória, acabou se tornando seu calcanhar de Aquiles. Tanto é que, provavelmente por orientação da sua assessoria, passou em certo momento a ler seus pronunciamentos.

Mas Lula é indomável. Não pode ver um microfone que já fica todo ouriçado. E é aí que costuma meter os pés pelas mãos. O que leva o presidente a se comportar assim, sabendo que o risco é grande e que cada fala impensada vira munição para os seus adversários?

Deixa o homem falar

A decisão de colocá-lo para falar mais foi incentivada por Sidônio Palmeira, ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social. Como responsável pela imagem do presidente, e tendo em mente a fama de bom orador, Sidônio pensou: nada melhor que botar o homem para discursar. Com isso, esperava reverter a queda de popularidade cada vez mais acentuada, segundo as últimas pesquisas.

Só que não deu certo. Lula perdeu a mão e já não encanta como antes com sua comunicação. Corre para cá, gira para lá, tenta se ajustar, mas termina por agravar ainda mais uma situação que já é bastante ruim. A causa dos baixos índices de aceitação do chefe do Executivo vai além dos discursos. E esses, longe de ajudar, só fazem piorar sua imagem.

Parar de ter filho

Mais grave: tiram a atenção dos reais problemas do país e alimentam uma sequência de polêmicas que, como todo mundo sabe, tomam conta do noticiário e viralizam com mais facilidade do que qualquer plano de governo. Prepare-se.

Em junho de 2024, ao entregar moradias do projeto Minha Casa, Minha Vida em Fortaleza, falou o que não se diz: “A primeira coisa que você tem que fazer é parar de ter filho.” Não é exatamente o tipo de conselho que se espera de um presidente.

Fechar a porteira

Em maio de 2025, em Maceió, cometeu deslize semelhante ao se dirigir a uma mulher de 27 anos com cinco filhos: “Quando você vai fechar a porteira, companheira? Não pode mais ter filhos.” A tentativa de fazer graça soou ofensiva, e a repercussão foi imediata, até entre os próprios aliados.

Mudando de foco para as declarações sobre mulheres, em 2024, ao anunciar medidas para as enchentes no Rio Grande do Sul, afirmou que “uma máquina de lavar roupa é uma coisa muito importante para as mulheres.” A frase carregava um ranço antiquado que, também nesse caso, pegou mal até mesmo dentro do governo.

Além das fronteiras

Em fevereiro de 2024, Lula comparou as ações de Israel em Gaza ao Holocausto. Declaração que provocou reações duríssimas da comunidade internacional. E pouco depois, comentou a presença de “tanta gente negra” em um evento, o que também gerou constrangimento.

E não para por aí. Em abril deste ano, referiu-se à diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, como “uma mulherzinha”. Foi mais uma fala que, na tentativa de ser espontânea, terminou por parecer desrespeitosa.

No pior lugar

A tentativa de Lula escapar dos péssimos números apontados pelos institutos de pesquisa me lembrou uma história que ficou famosa em nossa família. Meu avô tinha uma fazenda na região de Araraquara, bem no centro do Estado de São Paulo. Entre os animais, havia uma cabra, uma espécie de mascote da turma.

Certo dia, caiu uma chuvarada na fazenda. Incomodada com os pingos, a cabra correu feito doida para todos os cantos. Foi para um lado, depois para o outro, girou, rodopiou e, no fim, parou justamente no meio do terreiro, onde a chuva era mais forte.

Gosta de viver perigosamente

Desde então, bastava alguém tomar uma decisão equivocada para ouvir: “Está agindo como a cabra”, ou “está se escondendo como a cabra.” Décadas se passaram, mas ninguém esqueceu da história. Até hoje, em casa, a brincadeira continua. Se Lula fosse da família, suas trapalhadas oratórias receberiam o mesmo diagnóstico: “Está fazendo como a cabra do vô.”

A diferença é que a cabra, coitada, não tinha assessoria de comunicação, nem marqueteiro, nem pesquisa de opinião. Agiu por instinto. Já o presidente tem equipe, dados e experiência de sobra, mas insiste em correr em círculos.

Se ele olhasse com atenção para os verdadeiros pontos que o pressionam, veria que há caminhos mais eficazes: cortar gastos do governo, combater a criminalidade, baixar os preços dos alimentos e dos combustíveis. Essas, sim, seriam medidas para deixá-lo bem protegido no celeiro, sem risco de se molhar.

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