Entenda como acender uma lanterna se torna um gesto de fé e esperança, carregando promessas e desejos ao universo
por Marlene Polito
Publicado em 08/04/2025, às 11h11
Quem já assistiu à animação Enrolados, uma releitura de Rapunzel, certamente se encantou com a cena em que milhares de luzes flutuam no céu, iluminando a noite com promessas silenciosas de reencontro e esperança.
O que para muitos parece apenas uma invenção poética tem raízes profundas em tradições milenares.
Na China, o Festival das Lanternas transforma o céu em um palco de desejos, celebrações e novos começos. Há mais de dois mil anos, povos chineses acendem suas lamparinas como forma de atrair boa sorte, afastar os males e, sobretudo, lançar sonhos ao vento — confiando que, em algum lugar, o universo há de ouvi-los.
Entre o visível e o invisível
O Festival das Lanternas, que hoje enche os céus de cores e sonhos, teve origens serenas e espirituais. Na dinastia Han, a prática de acender lamparinas surgiu como homenagem a Buda: no décimo quinto dia do primeiro mês lunar, acreditava-se que o Iluminado observava o mundo, e as luzes se erguiam para saudar sua presença.
Não é por acaso que, em tantas culturas, a luz se torne ponte entre o visível e o invisível. No cristianismo, por exemplo, o gesto de acender uma vela carrega em si uma oração silenciosa, um pedido embalado pela chama trêmula que dança entre o humano e o divino.
Assim sendo, seja nas montanhas da China ou nas capelas do Ocidente, acender uma luz é sempre um ato de esperança.
E é justamente essa esperança que, ao longo dos séculos, transformou o festival em uma celebração vibrante dos sentidos — com lanternas multicoloridas, danças do leão e do dragão, enigmas a serem desvendados e sabores que aquecem a alma.
Uma celebração para todos os sentidos
O dragão, símbolo de sabedoria e prosperidade, serpenteia em luz no Festival das Lanternas. Foto: Divulgação
Durante as festividades, as cidades se transfiguram. Lanternas de todas as formas e cores — flores, peixes, pássaros, figuras mitológicas — desenham caminhos de luz pelas ruas, pelas praças, pelos rios.
A dança do leão e a dança do dragão, tradicionais nessas celebrações, encantam o público com sua força e simbolismo.
Enquanto o leão, representado por dois dançarinos sob um figurino articulado, traz proteção, sorte e coragem, o dragão, conduzido por uma fileira de artistas, serpenteia entre a multidão como sinal de sabedoria, fertilidade e prosperidade.
E os sabores típicos, como os yuanxiao, bolinhos de arroz doce recheados de gergelim ou feijão, adoçam não apenas o paladar, mas também o espírito, celebrando a união familiar e o recomeço.
Lanternas que carregam promessas
Acender uma lanterna e soltá-la ao céu torna-se, por isso, mais do que um gesto estético: é uma declaração de fé. Foto: Divulgação
Cada luz que sobe carrega um pedido, uma memória, uma promessa sussurrada ao vento.
Em um mundo que tantas vezes escurece nossos horizontes, lançar uma lanterna é confiar que há sempre um caminho possível — ainda que ele se desenhe além do que nossos olhos podem ver.
A última palavra pertence à luz
A simbologia das lanternas, porém, não ficou restrita à China e aos países de tradição oriental. Inspiradas pelo Festival das Lanternas, cidades ocidentais também passaram a celebrar a luz: espetáculos de lamparinas flutuantes, festivais de luz contemporânea e instalações artísticas multiplicam-se em lugares como Nova York, Londres, Paris e Sidney.
Vivid Sidney – Festival de luzes em Sidney, Austrália (foto contemporânea). Foto: DIvulgação.
E mesmo em tradições distintas, como a cultura islâmica, a luz surge como expressão da fé. No Ramadã, lanternas chamadas fanous enfeitam casas e mesquitas, simbolizando alegria, proteção e esperança renovada.
Em todas as latitudes, acender uma luz continua sendo, assim, uma forma silenciosa de afirmar que, apesar de tudo, ainda acreditamos.
A Anunciação (c. 1435), de Fra Angelico. Foto: Reprodução/Wikipédia
Nas artes plásticas, A Anunciação, obra de Fra Angelico, em Florença, Itália, é considerada um dos exemplos mais sublimes da representação da luz como manifestação espiritual. Nela, a luz banha Maria e o anjo Gabriel num instante de revelação silenciosa. Em um paralelo nada banal, pode-se dizer que, também no Festival das Lanternas, a claridade não apenas ilumina, mas transforma.
Cada lanterna erguida no céu é, à sua maneira, um pequeno anúncio de fé: um sinal de que, mesmo nos dias mais escuros, ainda é possível confiar no invisível.
O Festival das Lanternas, ao transformar a noite em constelação de desejos humanos, nos lembra de uma verdade simples e profunda — enquanto houver alguém disposto a acender uma luz, a escuridão jamais terá a última palavra.
Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. polito@uol.com.br
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