Cultura

Luiz Fux contraria o STF e dá uma aula de retórica

Para agir com essa habilidade é preciso estudo, experiência e profundo conhecimento das questões retóricas

Fux lança uma frase de impacto para conquistar a atenção e criar expectativas - Imagem: Sérgio Lima/Poder360

Reinaldo Polito Publicado em 18/04/2025, às 13h08

As boas aulas de retórica nunca envelhecem. Aristóteles escreveu a “Arte retórica” há 2.400 anos, e essa obra continua mais atual que nunca. Assim como Quintiliano, que escreveu as “Instituições oratórias” há quase dois mil anos, obra ainda considerada a Bíblia da oratória. Portanto, o que é bom fica para a eternidade.

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), há alguns meses, ao participar do julgamento que analisava a descriminalização do porte de maconha para uso pessoal, mostrou, na prática, como um orador deve desenvolver uma linha de argumentação consistente, antecipando e refutando, com maestria, possíveis objeções dos demais ministros da Corte.

Refutando as objeções

Para agir com essa habilidade é preciso estudo, experiência e profundo conhecimento das questões retóricas. Vale a pena analisar como ele, ainda na exposição inicial, foi afastando resistências que poderia encontrar naquele ambiente. Observe que são rápidos comentários, aparentemente ao acaso, mas que estão embasados em profunda técnica oratória.

Logo na introdução, Fux lança uma frase de impacto para conquistar a atenção e criar expectativas: “Nós não somos juízes eleitos”. Está concordando com boa parte da sociedade que critica ações do Judiciário que deveriam ser atribuídas ao Legislativo. E, aproveitando a força de suas primeiras palavras, emenda: “O Brasil não tem governo de juízes”.

Saber Direito já é difícil

Em seguida, constata um fato, tendo como respaldo as palavras do seu colega, ministro Dias Toffoli: “E é por isso, e aqui foi mencionado pelo ministro Toffoli, que se afirma, que se critica com vozes intensas, o denominado ativismo judicial.” Antes que alguém pudesse construir pensamento contrário, o ministro levanta importante reflexão:

“É uma pergunta simples: quem somos nós? Qual é o grau do nosso conhecimento enciclopédico? Saber Direito já é difícil – são milhões de dispositivos, são 14 mil leis com alíneas, são milhões. Saber tudo isso já é uma grande vantagem para o judiciário. E quando se acusa o judiciário de se introjetar na seara dos demais poderes é uma preocupação cara e muito expressiva.”

A perda de confiança no Judiciário

Deixa claro, assim, em suas primeiras palavras a sua posição contrária ao ativismo judiciário. E, aos poucos, já introduz pontos de sustentação aos seus argumentos. Habilmente, nas entrelinhas, elogia a competência dos juízes por conhecerem tanto de Direito, mas que não podem ter o domínio enciclopédico de todas as áreas.

Neste momento, era preciso demonstrar ainda mais solidariedade ao Tribunal. Para isso, mostra como os fatos ocorrem: “O poder judiciário é instado a decidir questões para as quais não dispõe de capacidade funcional. São outros órgãos que devem fixar essa gramatura e essa gramagem. Em consequência, o que ocorre? O poder judiciário é instado, já que as instâncias próprias não resolvem os problemas e o preço social é pago pelo judiciário.

Por quê? Porque nós não somos juízes eleitos, não devemos satisfação ao eleitor. Então mandam as questões para o poder judiciário decidir, e este passa a não gozar de confiança legítima da sociedade.” Qual o ponto que os juízes poderiam levantar aqui? Que o Judiciário não deve se pautar na opinião pública, mas sim no restrito cumprimento da lei.

Brilhante jogo de palavras

Fux foi brilhante. Imediatamente faz a ressalva: “E eu sempre digo: nós não temos de fazer pesquisa de opinião pública, não. Nós temos de aferir o sentimento constitucional do povo. Quanto mais as nossas decisões se aproximam do sentimento – não é opinião passageira – do sentimento constitucional do povo, mais efetividade terão as nossas decisões e as direções que as nossas soluções indicam.”

Na sequência, Fux faz um breve arrazoado dos equívocos que se cometem: “Essa prática tem exposto o poder judiciário, em especial o supremo Tribunal Federal, a um protagonismo deletério, corroendo a credibilidade dos tribunais quando decidem questões permeadas por desacordos morais, que deveriam ser decididas na arena política. É lá que tem de ser decidido. É lá que tem que pagar o preço social.”

Refutou as duas maiores objeções

Esse talvez tenha sido um dos trechos mais sensíveis do seu pronunciamento, pois seus pares poderiam alegar que eles não têm medo ou receio de julgar. Estão lá para isso, independentemente das opiniões contrárias. Mais uma vez, Fux, com sua visão de várias posições à frente no tabuleiro, protege com inteligência seus argumentos:

“Não é que tenhamos receio, não, mas nós temos de ter deferência, porque num estado democrático a instância maior é o parlamento. Num estado democrático a instância maior é o parlamento.” [ênfase do orador]

E dessa forma, com sutileza e muita competência oratória, Fux conseguiu expor seu ponto de vista e, ao mesmo tempo, refutar as duas maiores objeções que poderiam fazer ao seu discurso: “O Judiciário não deve se pautar pela opinião pública” e “o Judiciário não deve ter receio de tomar decisões sobre os temas que lhe são apresentados”.

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