Se um autor não tivesse seu livro exposto com destaque na Saraiva, teria poucas chances de entrar para as listas dos mais vendidos.
Reinaldo Polito Publicado em 22/09/2023, às 10h34
A Livraria Saraiva foi fundada em 1914 e chegou a ter 108 lojas em todo o país. Depois de ter sido a maior rede de livrarias do Brasil, fechou as últimas cinco lojas e demitiu todos os funcionários na quarta-feira, dia 20 de setembro deste ano.
Se não bastasse o seu próprio poderio, em 2008 comprou o grupo editorial e livreiro da Siciliano, aumentando ainda mais a sua força de comercialização. Com essa aquisição, seus braços passaram a representar 20% de todo o mercado. Uma potência excepcional.
Havia a Saraiva e a Saraiva
Se um autor não tivesse seu livro exposto com destaque na Saraiva, teria poucas chances de entrar para as listas dos mais vendidos. Por isso, seu poder de barganha era incomparável. Conseguiam prazos e descontos como nenhuma outra.
O que pouca gente sabia é que, embora pertencessem ao mesmo grupo, as atividades editoriais e de comercialização eram distintas. Publicar um livro pela Editora Saraiva não era garantia de que ele seria necessariamente vendido pela livraria Saraiva.
Foi difícil convencer
Eu senti as consequências dessa confusão dos nomes na pele. Antes da compra do Grupo Siciliano, por exemplo, em determinada época conseguia pouca distribuição dos meus livros na Livraria Saraiva e quase nenhuma na Siciliano. Esta alegava tratar-se de obras da concorrência.
Foi difícil vencer essa barreira. Tive de insistir muito, pois vender livros na Siciliano era também fundamental. Depois de muitas visitas e longas conversas, eles se convenceram de que a livraria não tinha nada a ver com os livros publicados pela editora.
Azevedo era o cara
O responsável pelas compras dos livros na Rede de livrarias Saraiva era o Waldiney Azevedo. Esse profissional era cortejado como espécie de divindade pelas editoras. E acabava por decidir se um livro faria ou não sucesso. Tudo dependia da quantidade de exemplares que ele adquiria.
Era afável, alegre, conversador e muito astuto. Pelo título, nome do capista e projeção do autor, sabia se um livro teria ou não sucesso. Todas as noites, ficava acordado até bem tarde acompanhando os entrevistados do programa do Jô Soares. Comprava no dia seguinte os livros mostrados nas entrevistas.
Os meus livros expostos
Azevedo foi meu aluno. Embora nunca houvesse conversado com ele em sala de aula sobre as vendas das minhas obras, é evidente que, por avaliar de perto o meu envolvimento com a oratória, deve ter se interessado pelos meus livros. Ainda que tivesse alguma simpatia por mim e pelo meu trabalho, profissional zeloso como era, não compraria os livros se não julgasse que eles possuíam forte apelo comercial.
Por um ou outro motivo, Azevedo resolveu me adotar como um de seus autores preferidos. Adquiria grande quantidade das minhas obras e as expunha com destaque em todas as lojas.
A família toda com história na Saraiva
Na mesma loja, ficavam na vitrine, no caixa e nas pontas de gôndolas. E tinham essa exposição porque vendiam. Mas, também, não venderiam se não ficassem expostas.
A minha filha Rachel, desde pequenininha, sempre me acompanhava nos passeios pelas livrarias. Era prazeroso ver a exposição. Ela não imaginava que tempos depois os seus próprios livros receberiam o mesmo destaque. Assim como a Roberta, minha outra filha, e a minha mulher Marlene também teriam seus livros nos mesmos locais.
Lista dos mais vendidos
Os livros “Como falar corretamente e sem inibições”, “Assim é que se fala”, “Superdicas para falar bem” e “Oratória para advogados” permaneceram por mais de três anos entre os dez mais vendidos em toda a rede Saraiva. Durante muitos meses em primeiro lugar.
Por esse motivo, e não há outra explicação, seis das minhas obras entraram para as listas dos mais vendidos. Como consequência, devido ao sucesso de vendas as outras redes de livrarias seguiam o exemplo e também compravam.
A Saraiva e a minha carreira
Devo o sucesso de vendas dos meus livros, que ultrapassaram 1,5 milhão de exemplares, ao Azevedo e à Saraiva. E foi graças aos meus livros que o meu curso se tornou o mais renomado em todo o país. 15% dos alunos procuraram a escola porque leram antes os livros.
Escrevi as obras no momento adequado. Naquele instante em que todos os astros conspiraram para que tudo desse certo. Hoje está tudo mudado. As vendas online substituem cada dia mais as lojas físicas. A boa estrela continua me acompanhando. A Benvirá, o selo editorial que publica meus livros, me deu as mãos e fizemos excelente parceria. Como sou muito religioso, estou sempre agradecendo a Deus por essas portas que se abrem no meu caminho como escritor.
Embora muitos digam que passado é passado, que vale só o presente e o futuro, sou diferente. Sempre me apego às boas lembranças que tive, e vivo feliz com elas. Por isso, ao ler a notícia do fechamento das últimas lojas da livraria Saraiva fui tomado por profunda tristeza. Sinto que uma parte importante da minha vida também se encerra com esse desfecho. As boas recordações, todavia, jamais me escaparão.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/