As pessoas passaram a ter “audição seletiva"
Reinaldo Polito Publicado em 26/01/2024, às 12h50
Basta a esquerda ou a direita dar uma opinião contra ou a favor sobre determinado tema que a militância, com raras exceções, imediatamente abraça a causa como sendo sua. Um bom exemplo foi o caso das vacinas. O fato de Bolsonaro dizer que a vacinação deveria obedecer à vontade das pessoas e não à imposição do Estado foi suficiente para que o assunto virasse briga de arquibancada.
Enquanto os esquerdistas corriam atrás de especialistas que eram favoráveis à obrigatoriedade das vacinas, os conservadores defendiam a liberdade de opção. Independentemente dos argumentos que pudessem apresentar, se ousassem debater a matéria, eram chamados de negacionistas. Na verdade, o assunto se transformou em guerra ideológica.
Ouvidos seletivos
As pessoas passaram a ter “audição seletiva”. Ouviam e aplaudiam as teses que correspondiam à sua forma de pensar. Por outro lado, eram refratárias às opiniões que se distanciavam das crenças que haviam adotado.
Quanto mais os estudiosos tentavam demonstrar as evidências que apoiavam ou rebatiam um ou outro lado, mais resistentes os cidadãos comuns, sem nenhuma familiaridade com o conhecimento científico, se colocavam na defensiva ao que ia de encontro à causa que abraçaram.
Executivo X Legislativo
Outro aspecto que divide as opiniões é o relacionamento do Poder Executivo como o Poder Legislativo. Quando Bolsonaro não conseguia fazer com que seus projetos fossem além da gaveta de Rodrigo Maia ou de Davi Alcolumbre, a oposição se apressava em criticá-lo por “falta de articulação política”.
Os partidários do então presidente, por sua vez, alegavam que os presidentes da Câmara e do Senado seguravam as propostas com intenção de prejudicar as iniciativas do governo para desgastá-lo politicamente.
Papeis invertidos
Com Lula os ponteiros se inverteram. Seus seguidores censuram as intenções pouco republicanas dos parlamentares, enquanto os bolsonaristas acusam o presidente de distribuir verba indiscriminadamente e também, por incrível que pareça, por não saber articular politicamente.
Essas oposições são irreconciliáveis, pois o que se busca não é a verdade, mas sim os fatos e narrativas que possam dar sustentação ao viés ideológico de uns e de outros.
Análise distinta para temas semelhantes
Não é diferente com o conflito entre Israel e o Hamas. Fica difícil, se não impossível, encontrar um conservador criticando Israel por se defender da agressão sofrida pelo ataque planejado por anos pelo Hamas. Defendem o direito de os israelenses revidarem até que o último agressor seja eliminado.
De outro lado, vemos os esquerdistas levantando bandeira de apoio ao Hamas. Alguns, sempre contra às ações israelenses, até dizem defender não os invasores, mas sim o povo palestino.
A briga dos combustíveis
E assim em todas as ações. Bolsonaro era criticado com veemência pela oposição por causa do preço elevado dos combustíveis. Passou a receber censura ainda mais pesada porque resolveu cortar os impostos.
Agora, aqueles que combatiam a política de cobrança da gasolina e do diesel, e que estão do lado do governo atual, tentam encontrar justificativas para elogiar o aumento de impostos que encarece de maneira assustadora o abastecimento dos veículos.
Viagens que agradam e desagradam
Bolsonaro era elogiado por seus eleitores porque viajava aos mais diferentes países em busca de negócios para o Brasil. A oposição só encontrava defeitos nessas iniciativas.
Hoje, esses mesmos críticos, aplaudem os constantes deslocamentos de Lula. Nem é preciso dizer que seus opositores não veem méritos nessas viagens. Além de apontarem os gastos excessivos com hospedagens em hotéis caríssimos, afirmam que o objetivo de trazer investimentos para o país não está sendo atingido. Ao contrário, têm caído sensivelmente.
A polarização em todos os cantos
Quem se incomoda com a existência dessa polarização, que cresce e se torna mais exacerbada a cada dia, precisa se acostumar com essa nova realidade. Deve observar que esse não é um fenômeno apenas do Brasil. No mundo inteiro esse quadro se repete. Nos Estados Unidos mesmo vemos um país dividido ao meio entre Democratas e Republicanos.
Há pouco tempo constatamos esse racha na vizinha Argentina. E ainda agora, depois da vitória de Milei, o confronto de ideias não cessa. Observamos a oposição inconformada com a derrota e a perda de privilégios indo à rua para manifestar seu descontentamento. E o novo governo realiza o que prometera. Tudo o que está fazendo já fora previsto em seu programa de campanha. Não houve até aqui estelionato eleitoral.
Para acalmar os críticos
A única forma de acalmar os ânimos desses contendores, aqui ou lá fora, é a implantação de uma política econômico/social que proporcione efetivamente o bem-estar da população. Enquanto esses benefícios não forem visíveis, sempre haverá o grito dos descontentes. Pacificação não é sinônimo de rendição, mas sim de alinhamento de anseios e conveniências.
Por esses lados parece que desde que retornou ao Palácio do Planalto pela terceira vez, Lula não conseguiu mostrar um plano consistente, que pudesse melhorar as condições do país. Tomara que encontre um caminho que nos leve à prosperidade. Se isso não acontecer, que os insatisfeitos continuem se expressando. Por mais desmoralizada que possa estar, a “voz rouca das ruas” ainda é a única que consegue sensibilizar um governante. Que fiquemos roucos, então.