Cultura

O som do silêncio na arte

Em um mundo saturado de ruídos, a arte nos recorda que a ausência pode ser presença

Moça com brinco de pérola (1665), de Vermeer - Imagem: Divulgação
Moça com brinco de pérola (1665), de Vermeer - Imagem: Divulgação
Marlene Polito

por Marlene Polito

Publicado em 18/03/2025, às 14h38


Pensar sobre a arte – o que é, o que define, o que provoca – é um exercício que nos desafia e fascina. 

Seria a arte apenas a beleza que nos encanta nas esculturas gregas clássicas, na pintura delicada das Madonas de Murillo, na intensidade azul de Picasso?  

Ou seria a expressão máxima da técnica refinada, aquela que fundamenta os grandes mestres do Renascimento e faz do Homem Vitruviano, de Leonardo da Vinci, uma síntese magistral da lógica da precisão e da proporção? 

Difícil de definir, a arte talvez seja tudo isso — mas não só. Ela ressoa as ideias de seu tempo, se transforma e expande os limites do próprio conceito de arte, como vemos na contemporaneidade. 

Há algo de "mágico", entretanto, que vai além. Nas palavras do professor Felipe Martinez, a arte cria "ilhas de silêncio" – é um convite à introspecção, um chamado ao silêncio. E o silêncio não é apenas uma experiência subjetiva, mas algo que a própria arte constrói, criando um ambiente onde o olhar se aquieta e o tempo parece suspenso. 

E poucos artistas traduziram esse silêncio visual com tanta intensidade quanto Mark Rothko. 

"Blue Over Red" e a experiência do silêncio visual

Blue over Red (1953), de Rothko. Imagem: Reprodução

Uma frase do próprio Rothko sintetiza, em poucas palavras, a vivência sensorial e emocional da arte: “Uma pintura não é um retrato de uma experiência. Ela é uma experiência.”  

Essa afirmação expressa de forma clara o impacto de Blue Over Red, uma de suas obras mais marcantes. Ao vermos essa pintura, somos absorvidos por sua atmosfera, sua luz, sua geometria, mas sem nenhuma referência concreta ao mundo exterior. O efeito é hipnótico e contemplativo, levando o espectador a explorar os diversos matizes que se sobrepõem, no contato com a cor que se transmuta harmoniosamente aos seus olhos, nas diversas camadas, que o prendem em um verdadeiro labirinto. 

A arte de Rothko explora campos de cor pura para transmitir emoções profundas. O silêncio visual em suas obras não é vazio; é um espaço de ressonância emocional. Mais do que representar algo, suas pinturas se tornam uma experiência em si mesmas. 

Quebra-Mar, de Tomie Ohtake, e a materialização do silêncio

Quebra-mar, de Tomie Ohtake, em Santos. Imagem: olaviajantes.tur.br

Se Rothko nos convida ao silêncio através da cor, Tomie Ohtake em Quebra-Mar o faz através da forma e do espaço.  

O silêncio se manifesta na obra de duas formas. Na simplicidade e síntese: como em um haicai visual, a escultura reduz elementos ao essencial, permitindo que o vazio e a leveza expressem tanto quanto a matéria. No diálogo com o espaço: assim como Rothko cria campos de cor silenciosos, Ohtake transforma o ambiente ao seu redor, convidando o espectador a perceber o silêncio presente na solidez do aço e no diálogo com a paisagem. Assim, o silêncio não é ausência, mas torna-se um convite à pausa e à contemplação. 

O silêncio absoluto da geometria em Mondrian

Azul, Vermelho e Amarelo (1930), de Mondrian. Imagem: Divulgação

Mondrian reduziu a arte à sua estrutura essencial: linhas, formas e cores primárias.  

Na ordem rigorosa e no equilíbrio, onde a precisão das formas e cores constrói uma sensação de estabilidade absoluta, há silêncio. Diferente de Rothko, que usa a cor para evocar emoção, Mondrian constrói um silêncio racional por meio da geometria, onde nada precisa ser dito, pois tudo já se encontra em perfeita ordem. 

O Silêncio no Olhar e na Expressão 

Diferente de muitas obras que retratam figuras em ação ou inseridas em uma cena narrativa, a "Moça com Brinco de Pérola" de Vermeer parece existir em um momento suspenso no tempo. 

Seu olhar enigmático e a leve abertura dos lábios sugerem um instante de quietude, algo entre o dito e o não-dito. 

Essa pausa, essa suspensão do tempo, transforma a obra em uma 'ilha de silêncio', onde o espectador se perde na contemplação da figura, sem saber ao certo o que sua expressão revela. Quem é essa jovem? O que seus olhos dizem sem palavras?  

Silêncio – A arte do Indizível 

O silêncio na arte nos afeta, nos ensina. Em um mundo saturado de ruídos, a arte nos recorda que o vazio também é forma, que a ausência pode ser presença e que aquilo que não se diz muitas vezes comunica mais do que palavras. 

Assim como na arte, talvez devêssemos aprender a contemplar os silêncios ao nosso redor – os intervalos entre uma frase e outra, entre um gesto e outro, entre o ver e o sentir. Pois, no fim, a arte não apenas nos mostra o silêncio. Ela nos ensina a habitá-lo.