Nos últimos dias tivemos dois casos que mostram os resultados maléficos da omissão
Reinaldo Polito Publicado em 01/12/2023, às 10h37
Se o órgão de imprensa diz que o texto ou os comentários em áudio ou vídeo não refletem, necessariamente, a sua opinião, deixa claro que a responsabilidade pelas informações divulgadas recai sobre o autor da matéria. Por outro lado, não é qualquer opinião que vai ao público.
Cada emissora de televisão ou de rádio, cada jornal, revista ou portal na internet, antes de contratar um colunista ou comentarista, obviamente, faz uma análise do seu perfil e verifica o seu comportamento nas empresas em que já atuou. É um portfólio que cada um carrega ou deixa transparecer em suas atuações profissionais. Não precisam, portanto, fiscalizar cada publicação.
Ainda assim, como nunca se pode ter certeza do que vai na cabeça das pessoas, deixam uma porta aberta com essa ressalva, tirando dos ombros o peso de possíveis consequências. Em alguns casos, entretanto, há um filtro para barrar as opiniões que possam fugir muito da sua linha editorial. Tudo bem, os profissionais sabem qual o limite e já se ajustam a esses parâmetros. É muito raro serem censurados.
Essa tradição parece ter tomado novos rumos. Segundo decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), as empresas jornalísticas podem ser punidas caso seus entrevistados façam acusações mentirosas. E, consequentemente, os órgãos de imprensa não gostaram de passar a viver agora com uma espada sobre a sua cabeça.
Como decisão tomada pelo judiciário deve ser cumprida, a solução passa a ser a de entender perfeitamente quais são esses limites da responsabilidade. Há linhas tênues que precisam ser esclarecidas. Por exemplo, saber exatamente o que sejam “indícios concretos de falsidade de imputação”. Outra dúvida é como controlar os entrevistados nas participações ao vivo.
Por mais que se abrande o risco desse garrote, no fundo passou a existir algum tipo de restrição à liberdade de imprensa. Talvez não passe a existir uma censura ostensiva, mas, com certeza, ira prevalecer uma autocensura, tanto por parte dos órgãos noticiosos quanto dos próprios colunistas, comentaristas e entrevistados.
Daqui para frente cada entrevistado precisará passar por uma pré-entrevista. Para que não haja riscos, será orientado a respeito do que pode ou não dizer. E mesmo assim, nada garante que diante dos microfones não diga o que poderia ser imputado como crime à emissora.
Considero a autocensura tão perversa quanto à censura. Em ambas as situações há um tolhimento na liberdade de expressar o pensamento. Vejo nessa brecha que se abre um conhecido risco, o da exceção. Concede-se uma pequena e aparentemente insignificante exceção como porta de entrada. Com o tempo essa ruptura sofre “aperfeiçoamentos”, até que uma circunstância imprevista no princípio se descortine com seus perigos e consequências indesejáveis.
Nos últimos dias tivemos dois casos que mostram os resultados maléficos da omissão: este das empresas jornalísticas e o outro da OAB. Muitos órgãos de imprensa fecharam os olhos para o cerceamento da liberdade. Alguns até chegaram a aplaudir. Agora sentem na própria pele os efeitos da sua omissão.
A OAB se manteve silente quando direitos fundamentais, previstos na Constituição, foram desconsiderados. No momento em que as prerrogativas dos seus membros foram ignoradas, como, por exemplo, o advogado ser impedido de fazer sustentação oral, também percebeu na carne as injustiças que parte da população já há muito experimentava.
Nesta segunda-feira, 27, na Conferência Nacional da Advocacia Brasileira, Sérgio Leonardo, presidente da seccional da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB-MG), na presença do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, fez pesadas críticas ao judiciário:
“Os excessos que vêm sendo praticados por magistrados de tribunais superiores nos causam indignação e merecem o nosso veemente repúdio”.
Leonardo foi aplaudido de pé por praticamente toda a plateia ao afirmar em altos brados o desconforto dos advogados diante dos magistrados:
“Nós não podemos aceitar, de forma alguma, que a advocacia seja silenciada ou tolhida nas tribunas perante órgãos do Poder Judiciário”.
Pela reação do público presente e da repercussão extraordinária em segmentos que ultrapassaram as fronteiras da advocacia, ficou patente que suas palavras veementes interpretaram um sentimento que há muito se encontrava na garganta de boa parte da população.
Essa deveria ser, entretanto, a postura em todas as situações em que a população fosse agredida em seus direitos, e não apenas no momento em que a força do corporativismo ressurja da hibernação. Quem sabe assim vamos aprendendo as verdades, tão reproduzidas, mas cada vez mais instrutivas, atribuídas a Martin Niemöller:
“Um dia vieram e levaram meu vizinho que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho que era comunista, não me incomodei. No terceiro dia vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para reclamar...”
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/