Reinaldo Polito Publicado em 15/11/2024, às 06h54
O vice-presidente Geraldo Alckmin contrariou um dos princípios mais elementares da oratória: não iniciar um discurso contando piadas. Os motivos são vários: no momento em que o orador está mais inseguro, a piada pode acabar sem graça ou, se for engraçada, pode ser muito conhecida.
Em ambos os casos, há risco de desestabilizar o orador logo de início. Além disso, um bom discurso precisa de interdependência entre suas partes – ou seja, o que dizemos no começo precisa se conectar com o desenvolvimento e a conclusão.
O momento mais adequado
Geralmente, a piada é contada para descontrair. Assim que termina, o orador se apressa a dizer: "Muito bem, vamos deixar essa história de lado e falar sobre o que interessa". Nesse ponto, a piada não ajuda a preparar o público para o assunto, quase sempre é apenas perda de tempo.
Na verdade, a piada é um bom recurso de comunicação, mas para evitar riscos que podem desestabilizar o orador, ela deve ser reservada para o meio da fala, quando todos já estão mais à vontade. Se ninguém rir, vida que segue.
Uma coleção de anedotas
Goethe disse: “Uma coleção de anedotas e máximas é, para o homem de sociedade, o maior tesouro, se ele sabe inserir aquelas na conversa no lugar conveniente e lembrar-se destas nos casos oportunos”.
É curioso que Machado de Assis, embora não cite expressamente a anedota, dá conselho semelhante: “Sentenças latinas, ditos históricos, versos célebres, brocados jurídicos, máximas, é de bom aviso trazê-los contigo para discursos de sobremesa, de felicitação e de agradecimento”.
Uma experiência pessoal
Eu mesmo, que ensino como se comportar em público, já fui seduzido pelo canto da sereia e comecei um discurso com uma piada. A última vez foi em um evento de advogados. Estavam na plateia 550 profissionais do direito.
Era uma boa piada, daquelas que já contei com sucesso em vários ambientes. Achei que seria um bom momento para arriscar. Sabendo do perigo, levei na manga um plano B, caso a gracinha não desse certo. E, claro, não deu.
Errei na avaliação
Não sei se errei no timing, no tom de voz ou na expressão corporal. Talvez o clima da plateia não fosse favorável. Quando terminei, fiz uma pausa, o silêncio da plateia me deu o recado. Imediatamente, recorri ao plano alternativo: “Acabo de dar a vocês a primeira dica importante de comunicação – nunca comecem uma palestra com uma piada.” Com isso, explorei os inconvenientes desse recurso. Deu para sobreviver.
O equívoco de Alckmin
Voltando ao caso do vice-presidente. Em um evento para tratar da COP-29, na última quarta-feira, Alckmin, antes de oficialmente começar seu discurso – ou melhor, sem de fato iniciar, pois, em oratória, a interação com o público já conta como início – cometeu uma gafe.
Conhecido por ser um bom contador de histórias, ele tentou fazer graça e lançou: “Sabe qual é o nome da mulher que não sabe dirigir? Guiomar.” Diante do silêncio constrangedor, tentou rir das próprias palavras, mas o público permaneceu calado. Seguiu o discurso do jeito que deu.
Mesmo com experiência, é bom evitar
Alckmin é experiente, com anos de prática em tribunas, e sabe lidar bem com situações embaraçosas. Mas nesse caso, nem sua desenvoltura pôde disfarçar o desconforto.
Embora a piada não tenha causado reação imediata, o episódio virou notícia e se espalhou em importantes veículos de imprensa. Portanto, mesmo fora do contexto original, muita gente acabou rindo da situação.
Pense bem antes de arriscar
Por isso, quando decidir quebrar uma dessas regras básicas da comunicação, pese cuidadosamente os prós e contras. Avalie as possíveis consequências e tenha uma saída caso o público não reaja como esperado. Na dúvida sobre o risco de dar errado, as velhas e boas regras ainda são as melhores amigas.
Cada um é responsável por suas atitudes. Há quem goste de viver perigosamente e faz o que bem entende. Mas se não é seu caso, saiba que ao seguir a cartilha você pode não conseguir resultados arrebatadores, mas terá boas chances de sucesso ao falar em público.
E se algum dia sentir a tentação de começar com uma piada, lembre-se dessa experiência de Alckmin. Só de imaginar o constrangimento que ele passou, já terá um bom incentivo para se conter. Ou não.