Temos de levar em conta outra luta que se estabelece durante um conflito, a guerra de narrativas
Reinaldo Polito Publicado em 20/10/2023, às 16h23
A notícia divulgada por diversos órgãos de imprensa foi estarrecedora: “Bombardeio de Israel atinge hospital em Gaza e deixa ao menos 500 mortos”. As informações eram de que no dia 17, terça-feira, Israel havia promovido um ataque aéreo contra um hospital situado na área central de Gaza.
Quem leu ou ouviu esse noticiário, divulgado por respeitáveis fontes da grande imprensa, ficou chocado e, ao mesmo tempo, revoltado com as ações israelenses. Os relatos, entretanto, tiveram origem no Ministério da Saúde da Palestina. Muita gente se precipitou e não teve o cuidado de aguardar as explicações de Israel. Nem ao menos verificaram a veracidade do que fora divulgado.
De um lado e do outro
Pouco depois, as Forças de Defesa israelenses disponibilizaram imagens mostrando que a tragédia havia sido provocada pelo próprio Hamas. Alegaram que o foguete tinha todas as características do arsenal da Jihad Islâmica. Diante dessa contestação, quem havia se precipitado correu para mostrar o outro lado do fato e contornar a situação.
Quem pode afirmar, todavia, que as pessoas que haviam lido a primeira notícia que acusava os israelenses tiveram acesso a essa tentativa de reparação? Vale aqui a velha e conhecida história de se jogar um travesseiro de penas aberto do alto de um edifício e depois fazer todo o esforço para recuperá-las. Por mais bem-sucedida que seja a tarefa, algumas penas não serão mais encontradas.
Contradição
Por outro lado, o vídeo divulgado pelo governo de Israel foi retirado do ar pouco tempo depois. Um repórter do “The New York Times” mostrou uma contradição entre o horário das imagens mostradas e o momento em que as explosões ocorreram no hospital.
Por esse motivo, querer ser o primeiro a divulgar uma informação da guerra pode levar a equívocos dessa natureza. Afinal, quem foi o culpado pelo ataque ao hospital. A ONU (Organização das Nações Unidas) se prontificou a fazer uma análise para apurar os fatos. Enquanto as investigações isentas e imparciais não forem encerradas, qualquer conclusão afoita poderá ser enganosa.
A primeira vítima
Temos de levar em conta outra luta que se estabelece durante um conflito, a guerra de narrativas. Cada parte dá sua versão dos fatos baseando-se em seus interesses. Isto é, o que nos relatam nem sempre está de acordo com o que realmente aconteceu. Sem contar que quem toma contato com as diversas faces de uma história tem a tendência de considerar como verdadeira aquela que lhe convém.
Há uma frase atribuída ao ex-senador americano Hiram H. Johnson que se eternizou. Ele a teria produzido em 1917: "A primeira vítima, quando começa a guerra, é a verdade". Até hoje quando alguém contesta versões divergentes de uma guerra, costuma citar essa máxima. Tanto assim que o correspondente de guerra, Phillip Knightley, publicou um livro que trata desse tema, "A primeira vítima".
A verdade distorcida
Em suas páginas Knightley mostra como o jornalismo distorceu os acontecimentos com o objetivo de noticiar inverdades sobre as batalhas. A obra com mais de 600 páginas relata pormenores repugnantes. De acordo com sua descrição, as cenas eram distorcidas considerando a conveniência de quem as noticiava.
Tomara que a ONU seja ágil nessas apurações e que mostre, sem preferências ideológicas, o que realmente ocorreu. Independentemente das suas conclusões, quem quer que tenha sido o culpado, o fato será uma das marcas mais tristes da história dessa guerra.
Tragédia irreparável
É uma barbárie sem fim. Em dado momento ficamos sabendo da morte brutal de mulheres, algumas grávidas, e de bebês. Pouco depois temos de conviver com uma notícia tão perturbadora como essa de pessoas doentes, em leitos de hospital. Essas sim são as grandes vítimas da guerra.
A última informação divulgada pelo porta-voz israelense, Daniel Hagari, diz que o artefato que atingiu o hospital, por suas características, não se parece em nada com o armamento utilizado por Israel. Outro argumento dele é que desde 7 de outubro, aproximadamente 450 foguetes lançados da Faixa de Gaza contra Israel caíram em território palestino.
São informações dos dois lados que precisam ser confirmadas ou refutadas. Talvez nos próximos dias tenhamos o final das investigações apontando quem efetivamente foi o culpado. Nada irá reparar essa tragédia, mas menos mal seria se descobrissem que a bomba que atingiu o hospital não foi ato proposital. Pelo menos.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/