Xingamento, dirigido ao homem mais rico do mundo e que irá liderar o Departamento de Eficiência Governamental de Donald Trump, causou constrangimento e repercussão
Reinaldo Polito Publicado em 22/11/2024, às 15h15
A primeira-dama, Janja da Silva, apresentou e coordenou um evento paralelo ao G20 no último sábado, dia 16. Em um momento infeliz, referiu-se ao homem que morreu devido à explosão de fogos de artifício como: “O ‘bestão’ lá acabou se matando com fogos de artifícios”. Comentário inconveniente para os governistas, que desejavam ligar o fato a um atentado à bomba.
Se isso já não fosse desconfortável, mais tarde, ao ouvir o apito de um navio, comentou: “Acho que é o Elon Musk. Eu não tenho medo de você, inclusive. Fuck you, Elon Musk.” O xingamento, dirigido ao homem mais rico do mundo e que irá liderar o Departamento de Eficiência Governamental de Donald Trump, causou constrangimento e repercussão.
Parceiros importantes
Os Estados Unidos são a maior potência global e um de nossos principais parceiros comerciais. Criar embaraços com uma nação tão relevante não é recomendável, principalmente após o apoio explícito de Lula à reeleição de Joe Biden. A fala não pegou bem.
Por mais despropositados que tenham sido os comentários de Janja, dificilmente trarão consequências diplomáticas sérias. Contudo, essas questões deixam arestas nas relações entre os países enquanto Lula e Trump estiverem no poder. Se não atrapalharem, certamente não ajudarão.
O papel da primeira-dama
Esse episódio traz à tona o debate sobre o papel de uma primeira-dama. Nos governos anteriores, houve protagonismo? Até que ponto suas ações influenciaram a política interna e externa? Alguma delas cometeu gafes que repercutiram amplamente?
Para não irmos longe no tempo, comecemos por Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique Cardoso, um exemplo clássico de discrição. Nunca gostou do título de primeira-dama. No cargo entre 1995 e 2003, destacou-se como intelectual notável, com doutorado em Antropologia pela USP e atuação docente em universidades no Chile, Estados Unidos e França.
Foi membro associado do Centro para Estudos Latino-americanos em Cambridge, na Inglaterra, e desenvolveu atividades relevantes para a sociedade brasileira. Criou e presidiu o programa Comunidade Solidária e idealizou a ONG Comunitas, participando dela até o fim de sua vida. Um exemplo de correção, discrição e competência.
Discrição de Dona Marisa
Fernando Henrique foi sucedido por Lula, que teve Dona Marisa Letícia como esposa em seus dois primeiros mandatos. Reservada, raramente aparecia em público ou dava entrevistas. Não interferia nos assuntos do governo.
Depois, veio Dilma Rousseff, sem um primeiro-cavalheiro. A ausência dessa figura suscitou curiosidade sobre como seria o comportamento do esposo de uma presidente.
Bela, recatada e do lar
Com o impeachment de Dilma, assumiu Michel Temer, cuja esposa, Marcela Temer, destacava-se pela beleza e discrição. Ficou conhecida como “bela, recatada e do lar”. Promoveu ações sociais marcantes, como o programa Criança Feliz, criado para oferecer assistência médica e psicológica a crianças de zero a três anos e suas famílias.
Na sequência tivemos Jair Bolsonaro, e como primeira-dama Michelle Bolsonaro. De maneira surpreendente, ela impressionou ao usar LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) no discurso de posse, em 2019. Durante o mandato do marido, manteve-se discreta, mas foi mais ativa durante a campanha à reeleição, com discursos eloquentes que evidenciaram sua habilidade como oradora. Tanto que chegou a ser cogitada como candidata à presidência.
O estilo de Janja
Agora, no terceiro mandato de Lula, Janja da Silva adotou um estilo próprio. Ativa nas redes sociais e frequente em eventos e entrevistas para televisão, já enfrentou críticas por atitudes como participar de shows enquanto o sul do país enfrentava tragédias ambientais.
Sua disposição para aparecer ao lado do marido em atividades nacionais e internacionais também gerou comentários, com muitos apontando que ela deveria ser mais contida.
Sua atuação no G20 foi duramente criticada, levando-a a adotar uma postura mais silenciosa após o episódio.
Talvez isso sirva como aprendizado sobre os limites do papel de uma primeira-dama. Embora seja natural apoiar as decisões do presidente, é importante lembrar que essa posição não é um cargo, mas uma circunstância do destino.
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