Seja no século XVI ou no XXI, a roupa é mais do que um tecido; é uma narrativa
por Marlene Polito
Publicado em 03/09/2024, às 11h30
Olho embasbacada para o vestido de Catarina I da Áustria que o Kunsthistorisches Museum de Viena traz em uma de suas exposições temporárias.
Com seu veludo de alta qualidade, brocados adornados com fios de ouro e prata, e pedras preciosas costuradas diretamente no tecido, o vestido representa o auge do luxo e poder da nobreza europeia dos séculos XVI e XVII.
Muitos artistas, na história da arte, ajudaram a documentar e celebrar a moda e o luxo de suas épocas através de suas obras, possibilitando uma perspectiva particular sobre a importância social e cultural das vestes suntuosas ao longo do tempo. Ticiano foi um deles, retratando lindamente em um de seus quadros a peça que tenho a minha frente.
O vestido resplandece sob as luzes do museu. Volto a olhar maravilhada, e me surpreendo ao lembrar da lenda “O rei está nu”. Seria possível estabelecer uma correlação simbólica entre o vestido de Catarina I da Áustria e a famosa lenda de Hans Christian Andersen?
A resposta me vem rápida e certeira: sim, ambos podem ser vistos como reflexões sobre poder, ostentação e, principalmente, sobre a ilusão que as roupas podem gerar em termos de status e autoridade.
Reflito, então: Ah, essa linha tortuosa do tempo! Essa janela fascinante em que tudo muda e, no final, nada muda!
Uma viagem no tempo: retrocedendo na análise
Os hábitos antecedentes que contribuíram para essa prática no século XVI e XVII foram moldados por uma longa tradição de exibição de poder e riqueza.
Desde as primeiras civilizações, como no Egito Antigo, Roma e China imperial, as elites utilizavam bens materiais, incluindo vestimentas, para demonstrar seu poder e autoridade.
A ostentação pública de riqueza, por meio de roupas ornamentadas com materiais raros e preciosos, era um sinal claro de status, reforçando hierarquias sociais. Esse hábito estabeleceu a base para as práticas subsequentes nas quais a riqueza era investida em símbolos de distinção pessoal.
Leis sumptuárias, que regulavam quem podia usar certos tipos de roupas ou adornos, eram comuns na Idade Média e no Renascimento. Elas tinham o propósito de delimitar claramente as classes sociais, garantindo que apenas a nobreza pudesse ostentar determinados tecidos, cores ou joias.
Essas regras, anteriores ao período do século XVI, consolidaram o papel da moda como marcador de posição social e facilitaram a ideia de roupas como um investimento simbólico (matrimônios, negócios): o capital social se materializava através da aparência pública e dos bens visíveis.
Classe Média e consumo
O surgimento da classe média criou um movimento de imitação das elites, mas também desencadeou adaptações nas práticas da nobreza e no controle social por meio das leis sumptuárias. Esse processo moldou a relação entre moda, consumo e status ao longo dos séculos, impactando a maneira como diferentes classes sociais lidavam com a exibição de poder e riqueza.
A contemporaneidade
Hoje pode-se claramente traçar um paralelo entre o comportamento atual, relacionado a roupas de grifes famosas, bolsas e sapatos exclusivos, e as práticas de distinção social da nobreza e aristocracia de séculos passados. Vários aspectos desse comportamento contemporâneo seguem uma lógica sociológica semelhante àquela observada na elite aristocrática.
Roupas e acessórios de luxo, como bolsas Hermès Birkin, sapatos Christian Louboutin e vestidos de alta-costura de marcas como Chanel e Dolce & Gabbana são itens de luxo, acessíveis apenas a uma elite econômica.
Muitas vezes feitos com materiais raros e edições limitadas, funcionam como símbolos de status social e exclusividade, com o valor desses itens ultrapassando o simples uso funcional, tornando-se representações de poder e distinção.
Na era digital, a exibição desses produtos em redes sociais aumenta ainda mais sua visibilidade, criando um ciclo de aspiração e desejo. A cultura da exibição, amplifica esses efeitos, criando uma dinâmica de validação externa baseada no consumo de luxo.
Para os poucos que têm acesso a esses itens, há uma sensação de exclusividade, prestígio e poder. Para os que aspiram a tais objetos, isso pode gerar sentimento de frustração, desejo inalcançado e pressão social para consumir, mesmo que fora de suas possibilidades econômicas.
Uma possível palavra final
Seja no século XVI ou no XXI, a roupa é mais do que um tecido; é uma narrativa. Ela conta a história de quem somos – ou de quem queremos que os outros pensem que somos. E talvez seja isso o que permaneça inalterado: no final, todos nós, nobres ou não, Catarina I ou o Rei Nu de Andersen, dependemos do que vestimos para dar forma às nossas aspirações e ilusões.
Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]
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