A pessoa se sente mais confortável com a sua roupa à medida que nota no ambiente outros vestidos como ela
Reinaldo Polito Publicado em 01/04/2024, às 10h28
Há uma decisão nem sempre fácil de ser tomada: que roupa devo vestir para falar em público? Ao longo das últimas décadas, fui procurado inúmeras vezes por oradores que queriam saber qual seria a roupa mais adequada para a apresentação que fariam. Tratei desse tema em alguns de meus livros. E foi curioso observar as modificações ocorridas com o passar dos anos.
A começar por uma realidade que hoje seria impensável. Poucas mulheres falavam em público. Era raro encontrar uma palestrante. No nosso curso de oratória, menos de cinco por cento dos alunos eram mulheres. No livro “Gestos e postura para falar melhor”, por exemplo, publicado em 1987, nem levei em conta a possibilidade de falar sobre elas:
“Em situações semelhantes a um churrasco, numa casa de campo ou um comício político em praça pública, apresente-se para falar com roupas esportivas. Fora essas situações, se você for homem, vá de terno e gravata, pois sempre estará bem trajado, mesmo que a ocasião seja mais informal”.
Tudo diferente
Passados quase 40 anos, ao fazer a atualização do livro “Oratória para advogados”, voltei a abordar esse assunto. É impressionante observar como tudo se modificou. E note que falo com os advogados, uma profissão mais conservadora:
“Considere o que deverá prevalecer na hora de escolher a roupa que usará em suas apresentações: o seu próprio estilo. Todos os fatores mencionados – atividade profissional, formalidade da circunstância e os dias de hoje – deverão ser adaptados ao seu próprio estilo de se vestir”.
O capítulo é extenso. Consumi oito páginas para falar da roupa. Agora, as mulheres ganharam destaque, já que constituem maioria entre os nossos alunos e leitores dos meus livros. Embora haja enorme liberdade para que cada um vista a roupa que julgar mais conveniente, a dúvida continua: com que roupa que eu vou?
Noel Rosa
Na época dos discos de vinil, havia uma frase que interpretava muito bem a paixão que alguém tinha por determinada música: “ouvi tanto que até furou o disco”. Eu mesmo cheguei a usar essa expressão algumas vezes. Sempre gostei de passar as madrugadas em claro. Sei que não é saudável, mas o silêncio dessas horas, em que quase todas as pessoas estão dormindo, me evolve, como se fosse um cúmplice dessa minha atitude desregrada.
Sozinho, apenas tendo a mim mesmo de companhia, eu me dedicava às leituras e a ouvir música. Entre os meus discos, todos de vinil naquele tempo, havia um em especial – “Maria Bethânia canta Noel Rosa”. Era um compacto triplo – três músicas de cada lado, gravado em 1965. De tanto ouvir, sabia todas as letras de cor. Ainda sei. Esse seria um bom exemplo para dizer que “furou o disco”.
Lembrei-me dessa passagem porque faz referência a Noel Rosa, um dos maiores sambistas brasileiros de todos os tempos. Em 1930, ele compôs um clássico do cancioneiro nacional: ‘Com que roupa?’ Não era uma dúvida do autor, mas sim uma lamúria, já que dizia não ter o que vestir:
“[...] Pois esta vida não está sopa
Eu pergunto: Com que roupa?
Com que roupa que eu vou
Pro samba que você me convidou?”
Psicologia social
O médico Raul Briquet, um dos pioneiros do ensino da Psicologia Social no Brasil, na conferência proferida no Departamento de Cultura da Prefeitura de São Paulo, sobre o tema “Do vestuário”, afirma: “A pessoa se sente mais confortável com a sua roupa à medida que nota no ambiente outros vestidos como ela”. Temos de levar em conta também as palavras de Umberto Eco, na obra “Psicologia do vestir”: “O vestuário fala”.
Fiz uma live com Gloria Kalil, um dos maiores nomes da moda no país. Insisti com ela a respeito dessa liberdade que existe hoje sobre a escolha da roupa. Suas respostas sempre foram no sentido de confirmar esse rompimento das regras que moldavam as pessoas até pouco tempo atrás. A conclusão da nossa conversa é que a dúvida continua.
Liberdade e estética
A pessoa tem a liberdade para vestir o que desejar, mas a questão estética prevalece, pois há o que fica bem e o que não fica. Pois é, se podemos ser livres em nossas opções ao vestir, como ter certeza se a roupa vai ou não ficar bem? Alguns até preferem seguir determinadas regras para se sentirem mais seguros.
Fica aqui uma sugestão. Você se sente inseguro para escolher a roupa que deverá vestir em determinada ocasião? Sem que se submeta a nenhuma determinação castradora, considere a formalidade do evento, o estilo dos profissionais que estarão presentes, a moda atual e, principalmente, o seu estilo pessoal. A roupa não pode prejudicar sua imagem nem atrapalhar seus projetos profissionais. Afora isso, vale tudo, desde que se sinta à vontade. Ok, entendi, mas com que roupa que eu vou?
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de Oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação, Gestão Corporativa e MBA em Gestão de Marketing e Comunicação na ECA-USP. Escreveu 35 livros, com mais de 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/
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