Cultura

Essas eleições mostraram que aliados podem se tornar inimigos

Em nenhum momento podemos nos apaixonar cegamente por este ou aquele político

Precisamos aprender a discutir ideias sem fanatismo e a debater posições ideológicas sem extremismos - Imagem: Freepik
Precisamos aprender a discutir ideias sem fanatismo e a debater posições ideológicas sem extremismos - Imagem: Freepik
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 11/10/2024, às 14h13


Ao observar a troca de farpas entre Bolsonaro e Malafaia, muitos eleitores começam a se desiludir ainda mais com a política. Como dois antigos aliados, que compartilharam o mesmo palanque e abraçaram as mesmas causas, podem começar a se “estapear” de uma hora para outra?

Malafaia mudou sua postura. Deixou de lado os afagos ao ex-presidente e passou a chamá-lo de omisso e covarde por não ter se entregado de corpo e alma à campanha de Ricardo Nunes, candidato à Prefeitura de São Paulo.

Críticas pesadas

Segundo o pastor, Bolsonaro não é confiável para apoiar outros políticos. Ele questionou com todas as letras: “Que porcaria de líder é esse – quem vai fazer aliança com um cara que não é confiável?”. E como se quisesse deixar uma porta aberta para a própria imagem, ressaltou: “Eu apoio Bolsonaro. Mas eu já disse: sou aliado, e não alienado”.

Bolsonaro, por sua vez, tentou ser mais comedido e em resposta às palavras de Malafaia, declarou: “Ligou a metralhadora, mas isso passa. Eu amo o Malafaia. Ninguém critica mulher feia”.

Fica a dúvida se os seguidores do ex-presidente concordam com essa postura conciliadora. Por mais cristãos que sejam, dar a outra face assim depois de levar tanta pancadaria, não parece ser uma conduta muito aceitável.

São muitos exemplos

Cito apenas os dois como exemplo, pois esse primeiro turno das eleições mostrou como antigos parceiros de trincheira se digladiaram como se inimigos fossem. Nikolas Ferreira, por exemplo, foi criticado pelo mesmo Malafaia, que o acusou de agir como um “politiqueiro velho”, e afirmou que o jovem líder mineiro “ainda nem tirou as fraldas”.

Nikolas, por seu lado, não reagiu de forma afável. Depois das críticas de Malafaia deixou de seguir o pastor nas redes sociais. Quando indagado a respeito do ocorrido, preferiu não comentar, demonstrando seu descontentamento sem alimentar mais polêmicas.

O fato, entretanto, não deixa de ser curioso: um dos maiores símbolos do conservadorismo do Brasil ser atacado por aqueles que garantem comungar a mesma linha ideológica!

Nesse tumulto, também entraram comentaristas políticos. Alguns, bolsonaristas fervorosos, esbravejaram contra seu próprio líder.

Argumentos conflitantes

Outros brigaram entre si só porque a defesa de um ou outro candidato não coincidia com suas preferências. Sem contar os argumentos conflitantes: enquanto defendiam alguns com determinadas justificativas, eles se valiam das mesmas teses para atacar outros.

Afinal, como pensam esses ardorosos críticos? Escolhem os caminhos que lhes convêm para satisfazer seus interesses, independentemente de serem ou não contraditórios? E a sua reputação? Será que apostam com tanta certeza na falta de memória das pessoas para, no futuro, dizerem que não disseram o que efetivamente falaram?

Momento de aprendizado

Embora esse aprendizado já devesse estar enraizado em todos nós diante dos incontáveis exemplos de traições e oportunismo, muitos ainda caem no canto da sereia. No entanto, parece que agora o desalento é um pouco mais profundo. A decepção foi tão intensa que muitos sequer querem continuar falando de política.

Acredito que não devemos abandonar nossas esperanças. Em meio a todo esse rebuliço, ainda encontramos aqui e ali algumas exceções. E é dessas exceções que, pouco a pouco, com paciência, podemos descobrir os que são mais autênticos e confiáveis. Talvez até nem sejam muitos, mas eles existem.

Sempre com um pé atrás

Uma certeza, porém, devemos ter: em nenhum momento podemos nos apaixonar cegamente por este ou aquele político. Quantos de nós levantamos bandeiras, “compramos brigas”, criamos desafetos, até dentro da nossa família e do círculo de amizades, e, no fim, nos decepcionamos.

Leva tempo para percebermos que não vale a pena cultivar crenças tão exacerbadas em quem hoje nos convence. Amanhã, se tudo continuar sendo como sempre foi, muito provavelmente vão demonstrar que não mereciam a nossa confiança.

Precisamos aprender a discutir ideias sem fanatismo e a debater posições ideológicas sem extremismos. Devemos abraçar causas com a prudência de sempre, e ter pela frente uma porta de saída para os nossos arrependimentos.

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