Cultura

Fernando Henrique Cardoso foi aluno a distância de Orestes Quercia

Orestes se notabilizou como um dos mais habilidosos políticos da nossa história

Orestes começou sua trajetória como prefeito de Campinas em 1969 - Imagem: Divulgação/ Gazeta do Povo/ PSDB
Orestes começou sua trajetória como prefeito de Campinas em 1969 - Imagem: Divulgação/ Gazeta do Povo/ PSDB
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 05/07/2024, às 23h58


Quem foi Orestes Quercia? Os mais velhos já começam a se esquecer da sua história. Os mais jovens, provavelmente, nunca ouviram falar em seu nome. Ele se notabilizou como um dos mais habilidosos políticos da nossa história. Nasceu em Pedregulho, no interior de São Paulo, em 1938, e faleceu na capital paulista em 2010. Sua carreira política foi impressionante.

Começou sua trajetória como prefeito de Campinas em 1969. Em 1975 venceu as eleições para o Senado. Em 1983 passou a ocupar o cargo de vice-governador de São Paulo. Em 1983 foi eleito governador do estado. Portanto, ocupou funções importantes por mais de 20 anos.

Quercia e FHC

Tinha um jeito descontraído de falar. Essa forma de se expressar era cativante. Encantava pela maneira simples e envolvente de contar histórias, como se estivesse sempre conversando numa roda de amigos. É bastante curiosa a forma como essa sua habilidade de comunicação teve influência na oratória de Fernando Henrique Cardoso.

Em fevereiro de 2004, a USP promoveu um evento de Marketing Político. Cada módulo daquele encontro contava com um moderador. Quase todos eles professores dos cursos de pós-graduação de Marketing Político da ECA-USP. Tive a honra de atuar como mediador no “Primeiro Simpósio de Comunicação, Marketing e Política”.

Marketing pelo rádio

Um fato muito curioso foi revelado nesse simpósio. Antonio Martins, especialista em marketing político pelo rádio, foi um dos palestrantes. Como sabemos, o rádio é um dos veículos que mais se aproxima das pessoas que vivem fora dos grandes centros, especialmente no início dos anos 1990.

Qualquer político que desejasse ser bem-sucedido deveria ter bom desempenho nesse eficiente meio de comunicação. Martins contou que Fernando Henrique Cardoso o procurou para receber orientações de como participar da campanha que o elegeria presidente de 1995 a 2003. Tinha consciência de que o rádio seria importante para sua tentativa de se eleger.

Fitas de áudio

Martins revelou que FHC como sociólogo e cientista político possuía um discurso elitizado. Era muito bom para ministrar aulas e se relacionar com pessoas de elevado nível intelectual. Precisaria, entretanto, aprender a falar pelo rádio e tocar o coração dos eleitores espalhados por todos os cantos do país.

Depois de acertarem as bases para o contrato, o marqueteiro passou ao candidato a primeira lição. Entregou a ele uma fita de áudio com alguns dos pronunciamentos de Quercia. Sugeriu que Fernando Henrique ouvisse aquelas gravações várias vezes. Poderia assim ter uma ideia de como se comunicar pelo rádio. A maioria dos discursos foi extraída do programa de rádio “Bom dia governador”, que ia ao ar três vezes por semana

Fala intimista

A comunicação radiofônica tem uma característica peculiar. Deve ser uma fala intimista, mais próxima, como se o político conversasse com cada ouvinte individualmente. Quercia era um craque na utilização desse recurso. Muito do seu sucesso se deveu a essa habilidade de se dirigir aos ouvintes de maneira natural, muito espontânea.

Realmente, essa foi uma revelação surpreendente – saber que Fernando Henrique Cardoso, que ocupou a presidência do país por duas gestões seguidas, ao se preparar na primeira campanha em que participou, fez por assim dizer um curso a distância com Orestes Quercia. Ouviu suas gravações até pegar o jeito de se comunicar pelo rádio.

Poderiam aprender

Tudo indica que o “mestre” foi competente nas aulas, tanto assim que o aprendiz usou o modelo dele para se eleger. Depois de eleito, os discursos de Fernando Henrique tiveram essa característica espontânea. Mesmo falando diante de multidões, se apresentava como se estivesse em ambientes reservados, trocando ideias com as pessoas.

Por força da minha profissão, assisto às apresentações dos políticos. Vejo como alguns discursam de maneira artificial, sem vida, sem emoção. A dedução lógica é que, se expressando dessa forma, terão dificuldade para conquistar os votos dos eleitores.

Fico tentado a aconselhá-los que sigam os passos de FHC. Peguem as fitas de áudio de Orestes Quercia e dediquem algumas horas a ouvi-las. Jamais pediria que copiassem a oratória dele, mas sim que observassem o seu estilo para adaptá-lo à sua maneira de falar.

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