Nada como um dia após o outro
Reinaldo Polito Publicado em 18/08/2023, às 12h46
A Câmara dos Deputados possui um poder que subjuga as ações do Executivo. Quando Rodrigo Maia engavetava os projetos encaminhados por Bolsonaro, recebia aplauso dos opositores ao então governo.
Lula, por sua vez, ao contrário de Bolsonaro, que partia de peito aberto para as trincheiras adversárias, não põe a mão em cumbuca. Com muitas viagens programadas, deixa por conta de seus aliados a missão de bater de frente com Arthur Lira.
Haddad foi escalado
Desta vez foi Haddad o encarregado de cutucar a onça com vara curta. Sentindo que suas propostas não encontravam receptividade na Câmara, resolveu espernear. Com outras palavras, repetiu o que Bolsonaro passou a dizer a Maia depois que as relações entre os dois azedaram de vez.
Em pronunciamento recente, o ministro da Fazenda afirmou que o Brasil vive uma espécie estranhíssima de parlamentarismo sem primeiro-ministro. E que a Câmara não pode usar seu poder inaudito para humilhar o Senado e o Executivo. Como pá de cal, foi na jugular do próprio Lira. Alertou que na democracia as instituições ficam e as pessoas passam.
Confronto
Ulalá! Esse discurso foi tomado por Lira como ataque pessoal. Ao perceber as consequências negativas de suas bravatas, Haddad correu na tentativa de apagar o incêndio. Procurou deixar claro que não fizera crítica à atual legislatura, e ponderou que Executivo e Congresso precisam construir uma relação mais estável.
Lira é traquejado. Sabe exatamente o que está acontecendo. Tem consciência de que suas ações estão travando e aborrecendo o governo. Possui respaldo constitucional para agir assim e usa a circunstância para negociar da maneira mais vantajosa possível o seu apoio.
Bolsonaro encurralado
Na época de Bolsonaro, os atuais governistas estavam de camarote vendo o circo pegar fogo. Maia se sentia um verdadeiro primeiro-ministro. Deitava e rolava com suas decisões. Atrapalhava as iniciativas do Presidente da República. Fazia críticas abertas e ostensivas e deixava seu “desafeto” nas cordas.
Bolsonaro não tinha saída. Ou aceitava aquele jogo rasteiro, ou aceitava. A cada ataque que recebia, tentava contemporizar. Ainda que as agulhadas de Maia o corroessem por dentro, procurava se pronunciar com palavras que indicassem a harmonia entre os poderes.
Até o momento em que constatou não adiantar suas tentativas para ser amistoso. Não conseguiria jamais se aproximar do presidente da Câmara. Nesse momento, foi com tudo para cima de Maia. Sabia que não mudaria a conduta do “adversário”, mas, pelo menos, mostraria à população quem estava trabalhando contra o país.
Virou a mesa
Em abril de 2020, avaliou a atuação do presidente da Câmara como péssima. E para não deixar dúvidas a respeito de sua indignação, disse: “Parece que a intenção é me retirar do governo. Eu lamento a posição do Rodrigo Maia, que resolveu assumir o papel do Executivo. Eu o respeito, mas ele tem que me respeitar. Lamento a postura que ele vem tomando. Mas o sentimento que eu tenho é que ele não quer amenizar os problemas. Ele quer atacar o governo federal”.
Como Bolsonaro tem boa quilometragem de Câmara, procurou não estabelecer confronto com os parlamentares. Atenuou suas palavras ressalvando que não tinha nada contra o Congresso ou a Câmara dos Deputados, mas que criticava, sim, o presidente da
Câmara.
Alertou a população
Essa atitude de Bolsonaro não complicou nem amenizou os entreveros. Maia continuou na dele, cerceando os projetos do Executivo, e o primeiro mandatário do país seguiu com as tentativas quase sempre infrutíferas de emplacar suas iniciativas.
A diferença do governo anterior para este no relacionamento com a Câmara é que Bolsonaro segurou o quanto pôde os cofres e atribuições de cargos políticos, enquanto Lula, mais pragmático, se mostra disponível para as “articulações”.
Lula que se cuide
Da mesma forma, assim como aconteceu com Haddad, que precisou se apressar para consertar os estragos provocados por suas palavras, Lula terá de tomar cuidado com esse relacionamento com Lira, pois, sentado na cadeira de presidente da Câmara, sua caneta é seletiva.
Se o projeto for para o bem do país, haverá chances de negociações que sejam também favoráveis às conveniências dos representantes do povo. Se as propostas forem ruins, já fica mais complicado, pois suas excelências precisarão explicar aos eleitores os motivos de terem concordado com decisões que contrariam os interesses da população.
A vida é assim mesmo, nada como um dia após o outro. E quem estiver rindo hoje desses atropelos do governo, não perca por esperar, pois novos tempos virão. Haverá veneno em boa quantidade para todos.
Reinaldo Polito é Mestre em Ciências da Comunicação e professor de oratória nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão de Marketing e Comunicação e Gestão corporativa na ECA-USP. Escreveu 34 livros, com mais 1,5 milhão de exemplares vendidos em 39 países. Siga no Instagram: @polito pelo facebook.com/reinaldopolito pergunte no https://reinaldopolito.com.br/home/
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