Como disse Sêneca: “O seu amigo tem um amigo, e o amigo do seu amigo tem outro amigo, portanto, seja discreto”
por Reinaldo Polito
Publicado em 27/09/2024, às 13h24
Depois de cinco décadas ministrando aulas de oratória, já posso alertar os políticos que me procuram: não confie em ninguém. O seu melhor amigo hoje poderá ser o seu maior inimigo amanhã. Alguns relutam. Não conseguem entender como poderiam duvidar do seu “parça” com quem já atravessou as maiores dificuldades.
Em menos de 30 segundos, desfilo intermináveis exemplos que os fazem pensar. Cito Montoro e Quércia, Quércia e Fleury, Maluf e Pita, Fernando Henrique e Itamar, Alckimin e Doria, Doria e Bolsonaro, Joice e Bolsonaro, Frota e Bolsonaro. Mesmo assim, nem todos se dão conta do risco da amizade que nutrem há tantas décadas.
Até tu, Brutus?
Um exemplo histórico conhecido é o da traição de Brutus contra Júlio César. Esfaqueado 23 vezes por 60 senadores, ao cair se deparou com Marcus Junius Brutus, por quem tinha grande consideração. E foram suas últimas palavras: “Até tu criança?”, que Shakespeare imortalizou na peça “Júlio César” como “Até tu Brutus?”
A traição é tão abominável que Dante Alighieri coloca os traidores nas profundezas do Inferno, em sua obra “A divina comédia”.
E quem pensa que ficar com um pé atrás é conselho apenas para políticos está enganado. Pense em alguns casamentos que conheceu. Casais vivendo maravilhosamente bem e, de repente, quebrando o pau na frente de advogados para dividir peças do faqueiro e animais de estimação. Amigos que cresceram juntos, dividindo segredos, e que agora são ferrenhos desafetos. Será que devemos esquecer que Cristo foi traído?
Há exceções
Sei que essa conversa é indigesta, e pode até provocar repugnância, mas o objetivo aqui é o de alertá-lo para não ser ingênuo e cair em armadilhas. Há exceções, mas não podemos guiar nossas vidas pelos exemplos raríssimos que poderíamos citar. Cada um age conforme julga conveniente. Somos responsáveis pela nossa felicidade, e também pela nossa infelicidade.
É possível partir do geral até chegar ao particular. Podemos conhecer e conversar com quantas pessoas desejarmos. Esse mundo de contatos e relacionamento fugazes é fascinante. Desses conhecidos, será possível separar uma boa parte para convivência um pouco mais próxima. Dos que escolhemos para uma convivência mais próxima, restarão poucos amigos.
Poucos amigos
E desses amigos que sobraram, se tivermos sorte, teremos condições de eleger um ou dois a quem poderíamos confiar nossos segredos. E, dependendo do caso, com ressalvas. E mesmo com esses mais próximos, nunca é recomendável o excesso de aproximação e de convivência.
Conversa demais, encontros demais, passeios demais, tudo o que é demais enjoa, esgarça o relacionamento. Com o tempo, passamos a descobrir defeitos e imperfeições onde nem imaginávamos existir. E, embora seja ideal, é muito difícil aceitar e gostar de pessoas com suas “deformações”. Por isso, deixe um canto reservado no seu coração apenas para você, sem acesso para mais ninguém.
Quem nos ajudaria?
Imagine por um momento que esteja passando por um sério problema, e que precisa de alguém para ajudá-lo. Suponha ainda que essa ajuda exigirá muitos sacrifícios e que haverá até alguns riscos. Quantos dos seus amigos estariam dispostos a arregaçar as mangas e lutar com você na mesma trincheira? Com certeza absoluta, sem hesitar, um, talvez nenhum?
Agora que já caminhamos com essa conversa, podemos refletir com a cabeça mais arejada. Quem são as pessoas do nosso relacionamento nas quais podemos confiar ou contar com elas nas emergências?
O conselho de Sêneca
Se tivermos sido diligentes na escolha dos amigos e pudermos contar com boa dose de sorte, será possível separar um ou dois. Esses precisam ser preservados e cultivados. Essa pessoa pode estar próxima, até dentro da nossa família – um irmão, a esposa, o marido, um filho, o pai ou a mãe.
Não vamos desistir das pessoas, apenas precisamos saber que elas são assim e que devemos aceitá-las como elas são. Aceitar não significa, entretanto, que mereçam a nossa total confiança. Como disse Sêneca: “O seu amigo tem um amigo, e o amigo do seu amigo tem outro amigo, portanto, seja discreto”.
O conselho de Maquiavel
Maquiavel, na obra “O Príncipe” alerta que, na política, é melhor ser temido do que amado, pois o medo é mais eficaz contra a traição.
Enfim, nesse quadro descrito sem muitas cores nem muita luz, uma verdade é certa. Ainda que tomemos todos os cuidados, nossa índole nos faz acreditar naqueles que nos cercam e confiar a eles o que deveria ser reservado apenas a nós mesmos. Nesse caso, só nos resta pedir a proteção divina.
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