Cultura

Será que Bolsonaro amarelou?

Alegação, feita pela Polícia Federal, levanta uma questão intrigante: prudência ou covardia?

Há situações que precisam ser avaliadas por diferentes ângulos - Imagem: Instagram/ @jairmessiasbolsonaro
Há situações que precisam ser avaliadas por diferentes ângulos - Imagem: Instagram/ @jairmessiasbolsonaro
Reinaldo Polito

por Reinaldo Polito

Publicado em 29/11/2024, às 16h09


Li uma notícia que me chamou a atenção: Bolsonaro teria recuado de um golpe por medo de ser preso. Será que o 'imbrochável' hesitou na hora H? A alegação, feita pela Polícia Federal, levanta uma questão intrigante: prudência ou covardia?

Há situações que precisam ser avaliadas por diferentes ângulos. Nem sempre é preto ou branco, certo ou errado. Em certas circunstâncias existe uma névoa acinzentada que deve ser levada em consideração.

Coragem ou imprudência

Por isso, não se pode avaliar a decisão, ou falta dela, se é que o fato existiu mesmo, apenas pelo valor de face. Temos de levar em conta o entorno do acontecimento para depois sim, com distância e isenção, avaliar.

Um ponto central aqui é diferenciar coragem de imprudência. Em sua obra 'Superdicas para se tornar um verdadeiro líder', um dos mais extraordinários livros sobre liderança que já li, Paulo Gaudencio oferece uma explicação brilhante sobre essas questões:

“Estando paralisado, você vai medir o tamanho do problema e compará-lo à intensidade de suas forças. Se o problema for grande, mas você achar que suas forças são suficientes para combatê-lo e, mesmo tendo medo, enfrentá-lo, isto se chama coragem. Se, na mesma situação, você fugir, chama-se covardia. Se o problema for tão grande que não possa ser enfrentado e, por isso, você fugir, o nome é prudência. Se, numa situação idêntica, você o enfrentar, é irresponsabilidade”.

Prudência é atributo de liderança

Ora, se alguém percebe que agir de determinada forma pode levar à prisão, insistir nessa aventura não seria coragem, mas irresponsabilidade. E, como Gaudencio aponta, prudência é um atributo indispensável para quem exerce liderança.

Alguns poderiam argumentar: mas se fugir com medo da prisão, não estaria se furtando a um papel que lhe fora confiado por seus liderados? Sempre vejo pessoas vociferando nas mídias sociais indicando caminhos e soluções que elas próprias jamais adotariam. São os corajosos de internet.

Medo de ser preso

Lembro-me de um jantar com o Procurador-Geral de Roraima em que um alto oficial da Polícia Federal revelou algo marcante: 'Nunca fiz nada errado por medo de ser preso. Não consigo me imaginar trancafiado em uma cela, sem liberdade para ir e vir e sem contato com a família. Eu não faria nada errado por questão de princípio, mas se não fosse por isso, o medo da prisão me refrearia”.

Aquela nossa conversa jamais me saiu da cabeça. A impunidade é mesmo para alguns uma motivação para o crime. O risco de ser punido é que serve de obstáculo para a criminalidade. Portanto, quem recua com medo da prisão não está “amarelando”, mas sim sendo prudente e não irresponsável.

O Anel de Giges

Platão, em A República, apresenta a alegoria do 'Anel de Giges' para refletir sobre um dilema moral atemporal: será que alguém agiria de forma justa se não temesse punições? Essa história, narrada por Sócrates, ilustra como a impunidade pode corromper, sugerindo que muitas vezes a moralidade é ditada pelo medo das consequências.

Giges era um pastor que levava uma vida simples. Certa vez, encontrou um anel que permitia ficar invisível. Passou a usá-lo sem escrúpulos para se beneficiar da situação. Acabou por se tornar o rei da cidade. A reflexão levantada é se o anel poderia pôr à prova a moral de cada um, mostrando que ninguém é justo por vontade, mas apenas por constrangimento e medo de punição.

As investigações

Essa discussão, portanto, não é nova, como vimos, remonta à época de Sócrates, que por meio de Platão trouxe à luz esse tema tão complexo.

Sem julgar a veracidade do fato descrito no relatório, é possível reconhecer que, se Bolsonaro não liderou um golpe por princípio ou, ao menos, por prudência, ele teria agido conforme uma qualidade indispensável a um líder: a capacidade de medir riscos e evitar a irresponsabilidade.

Muita água ainda irá rolar debaixo dessa ponte. As investigações agora serão analisadas. Entre as possibilidades está o arquivamento do processo por falta de provas. Se depender do que disseram sobre um possível recuo de Bolsonaro, sem entrar em especificidades jurídicas, não terá com o que se preocupar.