O teatro é circular, e o palco avança em direção à plateia, possibilitando uma interação maior entre público e atores
por Marlene Polito
Publicado em 20/08/2024, às 11h51
Em Londres, sentada em uma das galerias cobertas do Globe, olho curiosa para as pessoas que, como eu, aguardam o início de “A Megera Domada”. Falam alto, gesticulam, apontam para as estruturas do teatro, fazendo comentários, rindo alegremente. Estar no Shakespeare’s Globe Theater é realmente uma experiência incrível!
Construído às margens do Tâmisa, é uma recriação fiel do teatro original Globe do século XVII, onde muitas das peças de Shakespeare foram apresentadas pela primeira vez. Destruído por um incêndio em 1613, sua recriação moderna foi feita a partir de estudos minuciosos em termos de historicidade, design e materiais.
Sua estrutura é composta principalmente de carvalho, com uma cobertura de palha, o que lhe confere uma sensação autêntica do ambiente em que essas peças eram encenadas.
O teatro é circular, e o palco avança em direção à plateia, possibilitando uma interação maior entre público e atores; muitos espectadores assistem aos espetáculos em pé, como faziam os “groundlings” na época do teatro original, outros sentam-se nas galerias cobertas. A expectativa é enorme.
“A Megera Domada”
Quatro séculos após sua primeira encenação, 'A Megera Domada' continua a ser uma das obras mais provocativas de Shakespeare, incitando debates acalorados sobre as complexas relações de gênero, poder e identidade que ela retrata.
Shakespeare, por meio da história de Catarina e Petruchio, utiliza a comédia e a ironia para explorar as expectativas sociais rígidas em torno do casamento e das relações entre homens e mulheres, uma dinâmica que, apesar de sua antiguidade, ainda encontra eco na sociedade moderna.
À medida que continuamos a questionar as normas sociais e a lutar por equidade de gênero, 'A Megera Domada' nos desafia a reconsiderar as convenções e a refletir sobre a autenticidade das identidades e das relações humanas, algo que é tão relevante hoje quanto era na época de Shakespeare.
Misoginia?
A peça é uma comédia escrita por Shakespeare no final do século XVI. A história se passa em Pádua, Itália, e gira em torno do processo de "domar" Catarina, a filha mais velha e temperamental de Batista Minola, por Petruchio, que busca uma esposa rica.
Frequentemente discutida em termos de misoginia, a peça reflete as normas patriarcais da época, em que o poder masculino sobre as mulheres era socialmente aceito e esperado. A "domesticação" de Catarina, com o uso de várias táticas para “domá-la”, pode ser vista como uma alegoria para a submissão feminina, gerando debates sobre a representação das mulheres na obra e se a peça reforça ou critica essas normas.
Shakespeare usa o humor e a ironia para abordar temas sociais delicados, como o casamento e as relações de gênero. As cenas cômicas e os mal-entendidos geram risadas, mas também oferecem uma crítica subjacente às normas sociais.
Vivendo em uma época em que as mulheres eram vistas como inferiores aos homens, suas peças refletem naturalmente essas normas sociais. No entanto, ele também cria personagens femininas que desafiam essas normas de maneiras sutis e, às vezes, ambíguas.
A peça ressoa com o público moderno tendo em vista que questões de gênero e poder continuam a ser amplamente discutidas em nosso tempo, questionando os papéis sociais e as estruturas de poder que ainda permeiam as relações contemporâneas.
Transformação ou Submissão?
"A Megera Domada" explora como a identidade pode ser moldada e manipulada pelas expectativas sociais. Entretanto, e apesar de seu início conturbado, a relação entre Catarina e Petruchio evolui, levantando questões sobre o potencial transformador do amor.
A peça sugere que o amor verdadeiro pode transcender convenções e expectativas, ainda que essa transformação seja complexa e até mesmo dúbia.
Catarina, inicialmente rebelde, adota um novo comportamento que pode ser visto como uma estratégia de sobrevivência ou como uma verdadeira transformação.
Sua fala no final, por isso, pode ser considerada uma reafirmação das normas patriarcais em que reconhece o papel subordinado esperado das mulheres na sociedade patriarcal da época – o culminar do "domar" de Catarina por Petruchio.
Ou, em perspectiva diversa, surge como crítica satírica às expectativas de gênero: ela pode estar se conformando externamente enquanto mantém seu espírito e inteligência intactos, ou, ainda, pode estar até mesmo ridicularizando as expectativas de submissão.
Essa ambiguidade é o que torna “A Megera Domada” uma peça provocativa e perenemente debatida.
Fim do espetáculo
O final da peça recebe aplausos entusiasmados de todos. As pessoas, liberadas agora de seus espaços reduzidos, vão em direção às portas de saída. E novamente riem, comentam detalhes de um e outro trecho, apontam uma interpretação nova dada à peça.
É inverno e faz muito frio. Mas ninguém se importa. Afinal, como nos diz Shakespeare: All is well, when it ends well.
Marlene Theodoro Polito é doutora em artes pela UNICAMP e mestre em Comunicação pela Cásper Líbero. Integra o corpo docente nos cursos de pós-graduação em Marketing Político, Gestão Corporativa e Gestão de Comunicação e Marketing na ECA-USP. É autora das obras “A era do eu S.A.” (finalista do prêmio Jabuti) e “O enigma de Sofia”. [email protected]
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